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UMA CORRESPONDÊNCIA

por feldades, em 17.03.17

Meu querido irmão Filipe, paz e bem! 

 

Que bicho estranho eu sou, né? Você até se antecipou ao meu aniversário e eu, nada! 

 

Mano, muito lhe agradeço as palavras de sincero afeto por ocasião de meu natalício! A gente é humano e se alegra pela amizade e pelas expressões de carinho, sobretudo quando são expressões da alma! Estou muito feliz de chegar aos 44! (um pouco preocupado também, é verdade... Tô ficando velho e às vezes isso assusta! Coisas para integrar!) 

 

Mano, como de outras vezes, consegui passar uns dias, durante o meu níver, no Morro [um eremitério], lá em Guarapuava. Dessa vez foi bem diferente, pois fiquei sozinho. Na primeira noite, fiquei meio receoso (ansioso). Me chuchei cedo debaixo das cobertas – na verdade, o meu mantéu de frade. Não levei cobertor, pois achei que lá já teria, ou quem sabe..., é verão ainda e estaria mais quente. Passei um frio danado. Aos poucos, fui me acalmando e só não dormi melhor mesmo, devido ao frio. No segundo dia não pousei lá, mas no Convento, por causa de compromissos. Então voltei, levando um cobertor na guaiaca e aí pude dormir bem. Encontrei cobra escondida na latrina (jararaca), que ficou lá até o final, e duas baitas aranhas em noites diferentes. Mas isso não me assustou. Pude acender o fogãozinho, bem mais precário que esse aqui [do eremitério] de Ponta Grossa. Mas é algo tão singelo ver aquele fogo crepitando, a fumaça corcoveando, aquele arzinho de se estar em casa, mas ao mesmo tempo tão só. A natureza exuberante, muita chuva, muitos pássaros... E, sobretudo, estar a sós com Deus. Não ter pressa de rezar, não consultar muito o relógio, deixar o dia fluir entre pequenas leituras espirituais e atos de entrega, confiança, pedidos e louvor ao Criador, que nos envolve por dentro e por fora. 

 

Tudo isso não é lá tão romântico assim. Às vezes vem o vazio, o tempo não passa. Então, é hora de alguma atividade física: buscar lenha, pedras para a construção, água na mina... Esquentar a água e tomar banho de cavalo (é isso?), usando-se uma pet. Deita-se cedo para combater o medo e também por estar sempre chuvoso. E acordar para o louvor, iniciando o dia com o rito de acender o irmão fogo. Depois, mais tarde, da capelinha próxima, de pedra, escutar a água já chiando na panela... Deus seja louvado! 

 

A tal da cobrinha deu trabalho. No penúltimo dia, à noite, um grupo apareceu por lá. Um deles era militar e eu pedi para dar um jeito de retirar a peçonhenta, pois poderia machucar alguém desprevenido. Ele se prontificou, arrumando um barbante e uma forquilha para imobilizá-la. Tudo pronto para a ação louca de arriscada, quando aparece um companheiro, descontado da ideia (muito gente boa, em geral) com um trago de pinga na cabeça e se atirou sobre a cobra, pegando-a à unha. Foi imediatamente picado e levado às pressas para o hospital (descer todo o morro a pé, pegar o carro lá embaixo, e por estrada de chão de uns 3 km, a procurar recurso). Salvou-se, mas amargou uns quatro dias de hospital... Quem sabe tenha aprendido, pois estragou a nossa noite! 

 

Mano, tô comprido hoje, né?! Fico por aqui. Estou bem, graças ao bom Deus. Sábado passado tivemos a ‘sopa na rua’: mais de trinta jovens juntos. Lembrei-me de você. Ah, a Indiasara, de Guarapuava, também mandou abraços, e o povo do Fernando! 

 

Deixo-lhe um abraço muito carinhoso. Desculpe o “sumiço do tio Gerson” no paiol. Não sei se é o “espírito do Vô Aurélio”, que me faz cair na capoeira!... Mas estamos bem!

Saudações para a Rosana. 

 

Seu Frei Gabriel

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7 comentários

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De Anónimo a 17.03.2017 às 09:50

José Lopes de Lima 17 /03 /2017

Que bonitinho ficou o comentário do nosso querido Frei Gabriel, não é mesmo,
Felipe?
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De feldades a 17.03.2017 às 21:58

Realmente.
E eu publiquei sem permissão...
Será que o Freizinho vai ficar bravo?
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De Carlos Lopes a 17.03.2017 às 23:27

Muito singela, uma descrição natural dos fatos...

Se fosse minha carta, você com certeza iria experimentar a picada de uma jararaca !
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De Everton Souza a 18.03.2017 às 20:56

É um tanto quanto onírico ler sobre a vida espiritual do frade Gabriel. É um alento. As vezes acho que religiosos assim estão quase no fim. Que ele inspire gerações de vocações.
Pitoresco foi o cara pegar a cobra com a mão, kkk. Ele está entre a valentia e a burrice.

Um abração, meu amigo!!!
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De aureliano a 19.03.2017 às 09:50

Filipe, a partilha "confidencial" do Frei deixa transparecer o que se passa na alma dele. Certamente nos ajuda a dar às celebrações de aniversário um contorno mais místico, mais reflexivo, mais cristão. Não se trata de não podermos celebrar e confraternizar, mas o Criador precisa ocupar o primeiro lugar.
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De frei Gabriel a 19.03.2017 às 13:51

OLÁ AMIGOS!

PAZ E BEM!

Quero deixar claro que não me senti constrangido de forma alguma pela publicação de minha correspondência com o estimado Mano, Filipe.
É até uma honra para mim ter um escrito de minha autoria, uns balbucios literários, neste espaço nobre do Blog do Filipe. Sinto-me um matuto mineiro sendo elevado à classe literária por um Guimarães Rosa, que reproduzia falas dos grotões de Minas no vocabulário português, criando seus neo-logismos, na verdade, novos apenas na grafia, pois já faziam parte há séculos da fala do povo simples. Daí os termos que usei como "chuchar", "banho de cavalo" e outros.
Não me sinto especial pela experiência vivida, talvez um pouco mais para "esquisito", não no sentido clássico, próximo ao espanhol, mas significando um tipo estranho mesmo, que vai se refugiar onde abundam cobras e aranhas. Se posso dizer especial, foi a graça do Senhor em me dar coragem para fazer algo que tanto bem faz à alma: estar na quietude, na solidão saudável, no silêncio da natureza. Não tenho o veio dos místicos, mas sempre me fascina sua atração para lugares solitários, a começar por Jesus. Depois vem S. Antão, S. Bento, S. Bruno, S. Francisco de Assis, S. João da Cruz, entre tantos. Falando de S. Francisco, ele vivia 5 quaresmas por ano, a maior parte do tempo na doce solidão com o sumo Amado da alma. Ali encontrava forças para evangelizar, sobretudo com o testemunho, e lidar com os seus frades, cabeçudos tanto ontem como hoje, entre os quais me incluo, com alegria, mas também com vergonha de pouco honrar com a vida este humilde Servo do Senhor.
S. Bernardo chegou a dizer: Oh beata solitudo, oh sola beatitudo! (Ó feliz solidão, ó única felicidade!).
De fato somos assim, seres de comunicação, mas a comunicação mais profunda e fecunda brota da interioridade bem cultivada, pois dentro de cada um habita o Divino Mistério. Disso resulta também o quanto que cada pessoa deve ser tratada com dignidade, sendo morada do Sagrado!
Valeu!
Deus nos abençoe com toda a Paz e o Bem!
Frei Gabriel
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De Vanessa a 20.03.2017 às 20:02

Que belíssimo depoimento desse meu tio que tanto estimo. Que relato interessante. Quantos acontecimentos nestes dias no eremitério. Deus seja louvado!!!!!

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