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Publicado originalmente em 31/05/2013, no blogdofilipemoura.com
Como era bom conversar com a Natalina! Tinha alguma curiosidade, mas era contida nas perguntas. Gostava mesmo é de falar da vida presente, pinçando algo do passado. Começava a prosa sempre da mesma forma: “Que frio, não?! Deus do céu, tá frio...”, ou: “Como tá quente, não?! Tô, que não aguento mais esse calor...” Mas não ficava só nisso não. Falava também dos netos, do filho que morreu “de repente”; dos filhos que ficaram, mas são ausentes. “Bom mesmo era o (...). Coitado... Aquele, sim, vinha sempre me ver. Mas Deus levou”.
Dona Natalina gostava também de falar sobre o maridão. “Esse aí?... Só eu sei. Gostava de uma pinga e de confusão. Mas como gostava de confusão, santo Deus!” Mas o maridão não a deixava falando sozinha não. Entrava na conversa com força e vontade: “Eu, eu até que bebia um pouquinho sim. Homem bebe mesmo. Pinga foi feita pra quê?... Foi feita pra homem beber. Mas não é pra encher a cara não, pois eu nunca enchi a cara com cachaça. Bebia uns goles e pronto. Hoje não bebo mais, porque tenho diabetes. Mas ela tá falando que eu gostava de confusão. Eu nunca gostei de confusão. Só nunca levei desaforo pra casa. E não ia levar mesmo. O cara vinha lá, com a cara cheia de pinga e vazia de vergonha. Vinha mexer comigo, aí eu dava troco mesmo. E naquele tempo eu tinha força, tinha destreza e pegava o bicho com firmeza. Rolava no chão com ele.”
Enquanto seu homem falava, dona Natalina olhava-o misteriosamente, não se sabe se com admiração ou..., desprezo, não. Dona Natalina jamais desprezaria aquele homem. Mas ela enxergava nele algo que eu não conseguia ver nem decifrar. Tartamudo, ele sempre repetia involuntariamente algumas sílabas. Caso fosse, mesmo que sutilmente contrariado, gaguejava ainda mais. Mas dona Natalina não ia além da provocação inicial.
Uma vez por semana, eu visitava aquele casal. Na sala, eu rememorava um passado meio distante, de avós que já se foram. Avós, não só os meus, mas os que se fizeram meus também. Observava, sem “botar reparo”, no velho mobiliário da casa: o sofá surrado, a porta entreaberta do quarto da sala deixando entrever-se uma cama de casal bem antiga e desgastada, com um sobreleito puído; o rotundo guarda-roupa, alto, pendido, pejado de cobertores e outros apetrechos, com uma porta sempre mal fechada; um retrato na parede bastante desbotado do casal em núpcias: ele, jovem, ereto com a mão sobre os ombros de uma esguia donzela ostentando um ramalhete, tendo aos pés um longo véu nupcial enrodilhado em semicírculo.
Tudo isso está virando passado, pois dona Natalina acaba de passar para o “lado de lá”. Ainda na semana passada tive a felicidade de conversar um bom tempo com ela. Estavam, ela e o marido, alegres e “proseiros”. Convalescia ela de uma cirurgia nos olhos e não via a hora de poder voltar a cozinhar. Gostava de lidar com as panelas, de fazer a comidinha pro marido, de agradá-lo, mas seus olhos ainda estavam doloridos demais para lidar com o calor do fogão . Segundo ela, ele não dava sossego enquanto ela cozinhava. Com um prato sempre à mão, rodeava o fogão, espreitando as panelas. “Queria comer cru, vê se pode!...”, ela dizia sem que fosse desmentida.
Foi-se Natalina. Foram oitenta e sete anos de uma vida dura, com certeza. Mas, com mais certeza ainda, uma vida feliz. Como era bom conversar com a Natalina!
FILIPE
Este texto, sem lirismo algum, ácido, é o que brota de minhas fatigadas entranhas num momento de turbulência nacional. Tenho evitado ler o noticiário, pois se há algo que me deixa nauseabundo é a tal da covardia. “Não seja cobarde!”, dissera algum poeta dos “oitocentos”, mas não se vê outra coisa nas mídias.
Talvez, com o fito de se parecer chique, inteligente, intelectualizado ou sei lá o quê, muitas pessoas praticam o hobby de achincalhar o PT e a dona Dilma. Fazem dela uma espécie de Collor, aquele espectro de suadas memórias. Mas a dona Dilma não é Collor e o PT..., bom, tá difícil falar de PT neste momento. Mas falarei daquela sofrida senhora e isso já me alivia.
Observando um gráfico do Datafolha, vê-se que a popularidade de dona Dilma vinha ascendendo mês a mês, até atingir o pico de 65% de aprovação em março de 2013. Mas um mês após, em meio aos protestos de junho daquele ano, iniciado pelo movimento Passe Livre, sua popularidade despencou para 30%. A polícia paulista, a mando do governador Alckmin, baixou o cacete na moçada, mas quem apanhou mais foi Dilma. Os protestos não eram direcionados a ela, mas havia o receio de que pudesse se reeleger. Certos grupos políticos apoiados pela mídia redirecionaram os canhões e acertaram a presidente. Segundo especialistas no assunto, nunca na história um chefe da nação teve queda tão brusca de aceitação sem um motivo que o justificasse.
Hoje, quando pego o jornal pela manhã, as manchetes são sempre desfavoráveis, negativas, um verdadeiro linchamento da presidente. Coisas do tipo: “Câmara derrota Planalto”; “Dilma é derrotada em sessão relâmpago”; “Governo é derrotado no Senado”; “Cunha derrota Dilma”; (...). Afinal, quem são os derrotados: Dilma ou a sociedade? Seria preciso explicar melhor que tipo de projeto está sendo rejeitado, mas isso não lhes interessa.
Mas as coisas vão clareando, bem devagar, mas vão. Tirante o escândalo da Petrobrás, uma coisa já bem antiga, gestada no regime militar, mas que só veio à tona devido a interesses contrariados, penso ter descoberto a causa de todo esse estardalhaço. Não falo dos pobres insatisfeitos, que vão de ônibus para São Paulo bater frigideira na Paulista e comer cachorro quente olhando para cima, admirando a beleza dos arranha-céus. Não. Eu falo é dessa corja de endinheirados rentistas, que alugam prédios de apartamentos e vivem como nababos no exterior. É essa gente maldita, com dinheiro no HSBC, que quer a dona Dilma no calabouço. E sabe por quê? Eu sei e vou contar, mas é segredo. A dona Dilma foi reeleita com o objetivo de corrigir o Fisco. Apresentará projeto de lei para taxar grandes fortunas e quer federalizar o imposto sobre herança. Em países avançados, os herdeiros chegam a pagar mais de dez vezes o que se paga desse imposto por aqui, que é estadual e com alíquota de apenas 4%. Já o imposto sobre as grandes fortunas poderá atingir 5% dos brasileiros, todos com patrimônio igual ou superior a um milhão de reais. Esse pessoal sabe disso e não quer perder. Para tanto, insufla o coitado do pobre semialfabetizado contra o governo federal, usando-o como a desgastada “bucha de canhão”.
Uma perguntinha só para encerrar este texto, que já me cansa. Cite dois ex-presidentes da Câmara Federal. Não lembra? Diga ao menos o nome daquele que antecedeu a Eduardo Cunha. Também não lembra? Não, não se preocupe, pois você não está com amnésia. Presidente da Câmara dos Deputados nunca teve muita importância neste país. Mas, como convém aos nossos parlamentares, quase todos envolvidos em esquemas, coube a esse cidadão representá-los com inusitado destaque. Eduardo Cunha, de origem no submundo da política carioca e investigado na operação Lava-Jato, tornou-se o “Grande Líder da República Tupiniquim”. Nós merecemos!
FILIPE
Publicado originalmente o "blogdofilipemoura.com", em 08/03/2013
Já amanheceu. Vamos tomar um banho, filha. Levante-se, deixe suas coisinhas aí e vamos tirando logo essa fraldinha, que está toda molhada. Venha, vamos lá! A água está bem morninha, uma delícia. Vamos tirando essa roupa... Vou ajudar. Levante o braço. Isso mesmo. Levante o outro também. Assim, assim. Agora, experimente a água e veja como está gostosa. Toma o sabonete e lave bem o bumbum. Esfregue um pouco com a bucha e, agora, lave a bucha também. Não está pronto ainda. Vamos caprichar um pouco mais. Ah, e o cabelo? Estava me esquecendo de lavar o cabelo... Vamos, molhe bem a cabeça. Feche os olhos para não arder. Agora vou pôr um pouco de xampu, que é pra ficar limpinho e cheirosinho. Vai fazer espuma, mas este xampu não arde. Talvez os olhos ardam, mas o xampu não. Está garantido aqui no rótulo: “não arde”. Hoje eles já inventaram essa belezinha de tecnologia. Vamos filha, ajuda a mãe. Esfregue bem os cabelos, depois vou passar um pouco de creme. Agora parece que já está bom. Vamos enxaguar a cabeça. Feche bem os olhos, que vou abrir mais o chuveiro. Bom, agora esfregue um pouco mais os bracinhos, embaixo do braço, as pernas... Esfregue bem os pés, vamos! Agora, sim. Vou jogar esta água fora e ligar o chuveiro para enxaguar todo o corpinho. Feche os olhos mais uma vez, que vou abrir o chuveiro no máximo. Isso, isso mesmo. Bom, por hora é só e acho que está bom. Tá um pouco frio lá fora, então vamos pôr o roupão. Na cama, terminaremos de enxugar. Deite aqui, aqui. Olha, vou pôr esta meia em você. Sei que não gosta muito dela, mas é a mais quentinha. Vamos pôr esta blusinha bem fofinha. Vamos encerrar? A fraldinha, o calçãozinho, esta calça comprida, os sapatos. Agora, levante-se e vamos para a cozinha. Filha, dê bom-dia ao povo.
Já é noite e está na hora de repousar. Então, vamos para o quarto e ajeitar as coisas. Venha comigo, venha. Mas, antes, vamos tomar uma ducha, pois fez calor o dia todo e você está suada. Ih, sua fralda está toda ensopada! Mais uma razão para um banho noturno. Vamos tirando essa roupa, vamos. Tire a blusa, a blusa! Levante o braço..., o outro também. Assim. Agora tire essa calça, mas sente-se no banquinho para ficar melhor. Pode jogá-la aí no cantinho, que já vou pôr na máquina. A fralda não pode ficar misturada com as roupas. Vamos jogá-la no lixo. Agora venha para o chuveiro, venha. Tá muito calor e, por isso, deixei a água bem morninha. Experimente e veja como está deliciosa. Toma o sabonete e lave o bumbum, o bumbum. Agora, passe sabonete na barriga, embaixo dos braços. Vamos, eu ajudo a esfregar. Cadê a outra bucha? Ah, as duas estão com você. Deixe uma comigo e vamos juntos nessa. Não molhe a cabeça, pois seu cabelo tá limpo e à noite não se deve molhá-lo. Segure firme e vire pra cá um pouco, que eu quero ver como tá ficando esse serviço. Acho que tá bom, então vamos nos enxaguar e já estamos finalizando. De manhã, o banho deve ser mais completo, mas à noite não precisa tanto. Vamos tirar o excesso de água passando a mão pelo corpo, vamos. Enrole-se nesta toalha e terminaremos de enxugar no quarto. Sente-se para eu enxugar seus pés. Que delícia de banho, não?! Agora que você está bem cheirosinha, vamos pôr esta roupinha limpa e perfumada. Pode ser que mais tarde esfrie, então fique com esta malha também. Ah, a fralda. Vou pôr esta fralda, mas não é pra tirar, viu? Só amanhã de manhã, quando for tomar outro banho. Deite-se. Chegue um pouco para cima e um pouquinho para lá. Eu vou ajudá-la. Vamos, força! E agora, tá melhor assim? Cubra com este lençol. O abajur ficará aceso. Tá bom assim? Tá confortável? Então, boa noite, mãe!
FILIPE
A mídia não divulga, mas a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (SEE-SP) protagoniza, já há muito tempo, algumas mazelas. Vamos a elas:
1) Se feitas as contas o governo federal gasta, a cada três anos, mais de dois bilhões de reais na substituição de livros didáticos em todas as escolas públicas do País. E o que a SEE-SP faz? Desestimula os professores de sua rede a usar o rico material do MEC, exigindo prioridade no material elaborado por ela. Na prática, empurra-nos “goela abaixo” suas apostilas, cujo conteúdo não passou pelo crivo da academia. Diferentemente destas, os preteridos livros do MEC são avaliados e aprovados pelas mais conceituadas universidades do País.
2) Todos os anos a SEE-SP aplica uma prova, denominada SARESP, a alunos concluintes de cada ciclo. Dentre outras finalidades, serve para bonificar professores e funcionários das escolas que se sobressaírem na bendita avaliação. Mas, como as disciplinas avaliadas são apenas Matemática e Português, recai sobre o lombo dos infantes professores da área a incumbência de, “sob aplausos ou vaias”, alavancar sua escola ou pinchá-la ladeira abaixo.
3) Há, neste rico estado de São Paulo, uma categoria de profissionais da educação com diploma universitário contratada em regime de semiescravidão. Esta espécie de “subprofessores”, além de privada de direitos trabalhistas, tem que cumprir quarentena (afastamento sem remuneração) após determinado período de atividade.
4) Por alguma razão, professores convocados para reuniões pedagógicas não recebem “diária”, que deveria ser depositada numa conta do Banco do Brasil (não podendo ser poupança). Quem decidiu transferir sua conta-salário para outra instituição fica alijado do benefício. E não adianta espernear, pois não verá nem cor nem cheiro desses caraminguás, que deverão voltar para o Tesouro Estadual (ou para outro lugar, onde até Deus ignora).
5) Profissionais da educação são frequentemente convocados para reuniões com gente da DE (Diretoria de Ensino, mas que para mim continua sendo “delegacia de ensino” – e com minúscula, para melhor expressar minha fúria!) Nesse departamento, salvo raríssimas e honradíssimas exceções, viceja uma colônia de parasitas, que não faz outra coisa senão tomar café, falar de novela e BBB, além espezinhar a vida de professores. Ah, as reuniões..., e para que servem? Para tentar converter professores a um inovador método de ensino-aprendizagem.
Houve, no século passado, uma gente metida e desocupada desejosa de melhorar o ensino do "povo pobre e oprimido". Para tanto, cismaram de reinventar a “roda da educação”, adotando um método experimental. Esse assunto, que no final do século serviu de vomitório para gerações de estudantes e professores mais lúcidos, foi o “santo graal” para os menos iluminados. Mas, quando todos o sabíamos extinto para todo o sempre, eis que ressurge, do lodo em que estava sepultado, o fantasmagórico zumbi denominado “construtivismo”. E ele já me espreita!
FILIPE
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