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Artigo publicado no jornal "A Tribuna" de Amparo
Tal como o articulista que me antecedeu neste espaço, também não sou candidato a nada, e ainda que candidatasse, com certeza não me elegeria. Escasso de talento e fraco de intelecto, reservo-me à triste alternativa de espectador da história. Embora eu assista atônito a esse turbilhão que nos redemoinha e tonteia, torço para que este planeta seja mais habitável e a humanidade mais sã. Além dessa torcida – que se faz vã, reconheço – acrescento alguns resmungos, igualmente vãos, como os que se seguem.
Desde o século passado, na atividade docente, lido com pessoas nos seus melhores anos: dos doze aos dezessete. É nessa faixa etária que cada um constrói (ou destrói) o mundo em que viverá. Nessa idade, é inevitável alguns arroubos, mas é preciso ter preparo para lidar com a situação, pois o universo do adolescente é meio complicado: cheio de mitos e medos. Natural que vivendo assim, tão assombrosamente, periga fazer besteiras. Devagar, bem devagar com essa moçadinha! Mas o problema não são os eventuais rompantes, que deverão ser refreados com necessárias e bem dosadas energia e ternura. É da natureza do jovem “forçar a cerca”. Ao adulto cabe, portanto, “reforçar essa cerca”, impor fronteiras. A fim corroborar meu ponto de vista, proponho a seguinte situação.
Um jovem, menor de idade, afronta um senhor, discutem e partem para as “vias de fato”, atracando-se. O menor leva vantagem na refrega socando aquele senhor, que procura a Justiça. E eis que surge, sem demora e rugindo com o “ECA nos dentes”, alguém para defender aquele “menino”. Pela lei, o infortunado senhor, caso não prove inocência, será severamente punido. Já o “coitadinho”, liberado por ser “criança” e podendo, inclusive, receber alguma indenização por danos físicos e morais.
Mais: o artigo anteriormente publicado diz que, “em números globais, os crimes praticados por menores representam ‘apenas’ dez por cento do total” (grifo meu). A meu juízo, o suficiente para se repensar a maioridade penal. Acrescento: estatísticas conservadoras apontam em ‘um por cento’ a participação de menores em homicídios no país. Como são mais de 50 mil assassinatos a cada ano, quinhentas dessas pobres almas são “despachadas” por menores.
Embora a campanha pelo rebaixamento da maioridade penal tenha se tornado bandeira da direita tapuia, penso que se deva depurá-la de ideologias fascistas e debatê-la com a seriedade necessária. Quando se propõem penas mais severas a menores infratores, diversamente do que bradam os críticos da medida, não se apenarão crianças. Mas jovens, com dezesseis ou dezessete anos, dotados de discernimento e fisicamente capazes. Alguns deles – imersos na criminalidade – desacatam autoridades, agridem pais e mestres, estupram, matam.
Por essas, penso ser urgente a reforma da legislação, rebaixando-se a idade penal. Não somente devido aos crimes hediondos, que requerem leis próprias, mas à criminalidade em geral. É ponto pacífico que jovens não podem ser trancafiados com adultos. Então, que se faça a reforma prisional, construindo-se “xadrezes temáticos” para atender às necessidades e “vocações” de cada delinquente, conforme a natureza do delito, faixa etária etc.
Teorizam-se, à exaustão, sobre as circunstâncias do crime, suas motivações e necessidade ou não da reclusão de certos criminosos. Na ausência de respostas efetivas ao problema, defendo o encarceramento, sem trégua, de quaisquer indivíduos que representem risco à sociedade, não importando se “dimaior” ou “dimenor” – com o devido perdão pelo mau vernáculo.
FILIPE
O Velho estava aperreado. “Coinfeito!”, dizia e repetia para mim e para si enquanto examinava a tela de seu computador. Não é bem isso que ele diz quando está bravo, mas é o que sempre entendi ao longo da vida em delicados e perigosos momentos como aquele. No seu vocabulário, “coinfeito” exprime aborrecimento com alguém que fez “arte” e merece apanhar.
Eu chegava do ranchinho, quando me deparei com o Mano Véio na varanda de casa. Havia chegado naquela tarde e já estava no computador do pai, animado e proseador, enquanto páginas eram abertas e fechadas freneticamente. O pai chegou devagar e o espiou à distância, desconfiado, esticando o pescoço para tentar ver algo na tela. Olhava para mim, para o computador, para o Mano, mas não disse palavra. Quem falou algo foi o Mano, que deu umas explicações ao Velho. Aliás, este irmão gosta de explicar as coisas e costuma ser bem-informado mesmo – justiça lhe seja feita. Mas, parece que desta vez ele falhou.
“Pai, o computador está infectado por um vírus terrível!” “Mas ele tá funcionando comigo...” “Não, pai. Tem um vírus e vou limpá-lo para o senhor. Aqui, pai, tá vendo?... Vou dar este comando. Aí, vai aparecer aquele ícone, tá vendo? Então, eu vou inserir... Pronto, inseri. Agora apareceu uma vassourinha, tá vendo? Esta vassourinha é que vai limpar o seu computador”. “É, tô vendo uma coisa ali, mas parece uma trincha.” “Então, pai, parece trincha, mas é uma vassoura que varre tudo e deixa limpinho e sem vírus. Vou dar enter e é só aguardar uns minutinhos. Agora eu vou sair para o Corgo Preto. Mas é só reiniciar, que vai ficar uma beleza.”
Aqui, um pequeno parêntese: o nome do simpático arraial é Vilas Boas, embora alguns falem Corgo Preto e quase todos nós, Cor Preto.
O tempo passou, o computador não proseava e o pai me pediu socorro. “O que tá acontecendo aqui? O meu “feice” não entra de jeito nenhum!” “Ih, pai, eu não entendo desse negócio de vírus não. Ele é quem sabe, mas vou ver o que aconteceu.” Posicionei-me diante da máquina, ajeitei a cadeira, dei umas estaladas nos dedos e comecei a mexer no teclado. Havia dito que não entendia nada, mas nesse momento cheguei até mesmo a ficar metido, confesso. A modéstia seria apenas motivo para valorizar meus ‘ricos conhecimentos em computação’. Mas, como a mediocridade é mais forte do que a vaidade, não consegui resolver bulhufas. E o computador engasgou de vez, não acessando a tal da net nem por macumba braba. Arrisquei: “Que tal a explorer?” Bingo! A explorer funcionou, mas muito lenta. “Ah, não. Eu quero o Google Chrome”, reclamava um magoado papai cheio de razão.
É, a tal vassoura do Mano Véio é boa mesmo. Varreu tudo do computador, não deixando nem o “feice” do papai. Desinstalado nessa varrição, o Google Chrome fora para o lixo. E o pai teria que esperar pela sua reinstalação por longo tempo: atravessaria todo o sábado, o domingo inteiro para, somente na segunda-feira, buscar socorro num especialista de verdade. E assim se fez.
Quando pequeno, há muitos e muitos anos, ouvia mamãe gritar com seu primogênito: “Isto é pra você deixar de ser abiúdo!” Eu queria saber o significado daquela palavra, mas, por razões óbvias, tinha medo de perguntar à mãe, se é que me entendem. Mas o moleque era mesmo um ‘mexilhão’: mexia em tudo, um abiúdo.
Engana-se, porém, quem pensa que estou aqui a espinafrar o Mano Véio. Da irmandade, é dos mais generosos e foi graças a ele que o pai se tornou um internauta. Providenciou para o Velho um notebook, a conexão com a internet e agora está ensinando o pai a usar antivírus.
FILIPE
Publicado originalmente em 06/09/2013, no blogdofilipemoura.com. Ver comentários.
Sim, o menino, a quem costumo chamar de “Irmãozinho”, já completa seus jubilares cinquenta anos. Este irmão, bem como os outros nove, é especial para mim. Na escala etária da família, é o meu vizinho de baixo, pois a irmã mais velha é a vizinha de cima.
O Irmãozinho é digno de ser biografado. Sua trajetória é permeada de fatos pitorescos e heroicos. Da irmandade, foi quem por mais tempo permaneceu na casa dos pais, indo além dos vinte anos. Dele, sabemos muitas histórias, umas tristes, outras bem divertidas. Mas, como estamos em festa, prefiro ficar com a parte engraçada.
Conta-se que o Irmãozinho, um mocinho com seus quatorze anos ainda, resolveu providenciar o enxoval para suas futuras núpcias. A noiva, com certeza, estava no seu pensamento, mas ninguém sabia quem era a felizarda – talvez nem a própria. Mas o Irmãozinho sabia das coisas e, tal como um pássaro galanteador, foi logo tomando providências para atrair a amada.
O seu “Antoinzinho” – um homem baixinho e meio engraçado, que consertava bicicletas usando torquês, arame, chave de fenda e um providencial martelo para dar “firmeza” no serviço – resolveu mudar-se, acho que é para Volta Redonda. E o Irmãozinho decidiu comprar-lhe a mobília. Não sei se chegou a comprar tudo, mas as panelas ficaram na história. Havia também pratos, garfos, colheres e outras preciosidades que foram guardadas em um saco. Eu pensava: “Como é corajoso este irmão! Mais novo do que eu e já providenciando um teto. Se não um teto, ao menos o que pôr embaixo das telhas. E eu?... Como sempre, atrasado.”
O Irmãozinho também apreciava a “boa gastronomia”. Todas as tardes, mas acho que há exagero nisso, passava ele numa vendinha para comprar“um pão e dois doces”. Abria o pão, colocava nele dois doces de leite e o comia sofregamente. A turma mais abonada comia “pão com salame”, que não era salame. Somente mais tarde é que pude aprender que salame é coisa pra grã-fino; o que os “abonados” comiam por ali era mortadela. Havia duas marcas: Delícia e Fluminense. A primeira não era tão boa quanto a segunda; mas para nós, lá em casa, quando tinha mortadela, até a Delícia era deliciosa. Mais feliz era o Irmãozinho, pois descobrira seu pão com doce, que era gostoso e barato. Mas, dois doces?! Resolvi experimentar a iguaria e, diferentemente do irmãozinho, famoso pelos seus “dois doces”, comprei um doce só, mas tive que esfarinhá-lo para fazer render. Gostei.
Dentre as tantas histórias minhas entrelaçadas às do Irmãozinho, quero destacar uma. Eu morava em Juiz de Fora e passava por mil apertos financeiros. Planejava fugir e dar um calote no dono da pensão em que morava, pois não tinha como lhe pagar. Mas, na véspera da minha insensata decisão, eis que surge naquelas paragens, sabe Deus como, o Irmãozinho. Metalúrgico, parecendo estar com a carteira bem recheada, já foi logo se prontificando a me ajudar. Meio envergonhado, disse-lhe que tinha algumas pendências, coisa pouca para pagar, mas que não se preocupasse. O Irmãozinho sacou logo um cheque e pagou minha conta na pensão. E ainda deixou-me uns trocados para eventuais necessidades.
Neste sete de setembro, Irmãozinho, estarei em prece por você e pelos que o cercam. Parabéns pelo jubiloso dia e seja bem-vindo ao “Clube dos Cinquenta”!
FILIPE
LIRISMO: “Tapera de beira de estrada...”, assim começa uma música nesta fria madrugada de primeiro de maio. Enquanto faço estes rabiscos para o blog, ouço, na varanda de meus pais e ao lume trêmulo de uma lamparina, umas músicas de raiz. A chama da lamparina vai e volta, inclina-se para cá e para lá, parecendo-se curiosa sobre o que escrevo. Mas não, são delírios meus. Essa lamparina evoca “os tempos mais antigos do passado”, quando não tínhamos luz elétrica nem água encanada e morávamos aqui, onde ainda permanecem meus velhos e queridos pais.
A chama está agora verticalmente ereta e parece ter desistido da curiosidade para se concentrar na música de Tonico e Tinoco, que tangem suas cordas no minúsculo aparelho de meu pai. Aqui, neste momento, dois mundos tão díspares se encontram: o da tecnologia digital, do século vinte e um, e o da novecentista lamparina a querosene. De permeio, este intruso que divaga.
Recordo o passado embalado pelos cantadores de alma pura, acompanhado do chimarrão, de um livro de preces e de um “Andrea Del Fuego”. Escrevo o texto num papel de pizza – mais tarde, plasmado na tela, percorrerá o continente e cruzará o Atlântico para buscar abrigo no “feldades”, já em terras de Camões.
A alegria de estar aqui transcende a tempo e espaço, e o que é transcendente não se descreve: contempla-se, apenas. E eu continuo aqui, meio desequilibrado com o que aprecio. Ao longe, um galo também se encanta.
REALIDADE: Mas a realidade me fere e me desperta. Lá bem distante, nas bandeirantes terras de São Paulo, o estado mais rico da nação, muitos professores estão em greve. Nas escolas faltam de tudo: carteiras, cortinas, vidraças, água, vagas para alunos e, incrível: pratos e talheres. Há casos de escolas em que se usam pratos e talheres de plásticos, sem reposição ou troca, há mais de quinze anos. São utensilhos cheios de ranhuras, um abrigo para colônias de fungos e bactérias, um atentado à saúde. E o pior: alunos e professores convivem com essa precariedade, típica de um país subsaariano, como se fosse normal. É normal que o estado de São Paulo, com um terço da riqueza da Nação, ofereça escolas tão precárias?
Desculpe-me a quebra de lirismo, mas não me contive. Se quiser saber mais sobre o estado crítico em que nos encontramos, acesse um texto recém publicado em minha página do “feice” sob o título: "Por que lutamos?"
Termino este, desconfiado de que meu tempo por aqui esteja expirando. Minha mãe sempre nos disse que “tudo tem conta, peso e medida”.
FILIPE
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