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Eu não diria que eu seja uma pessoa triste, mas muitas são as minhas frustrações nestes já esticados dias e uma delas é não lembrar de minha primeira professora. Antes da idade e por insistir com meu pai, fui matriculado aos seis anos num grupo escolar que ostentava o pomposo nome de “Escolas Reunidas ‘Galdino Leocádio’”. Lembro-me bem do primeiro dia naquela instituição, quando fui ciceroneado por um primo distante, xará do conde D’Eu e filho do dono do prédio escolar. O menino me levou até a sala de aula, que ficava no porão e era apelidada de “galinheiro”, embora não houvesse galinhas por lá. À medida em que íamos avançando nos estudos, subíamos de grau e de degrau, porque o segundo ano funcionava no hall de acesso ao piso superior, embaixo da cozinha, e o terceiro e quarto anos ficavam lá em cima. Eu olhava para os garotos daquele andar “naquelas alturas”, admirava-os pela sabença e pensava: “Para subir essa escada, tenho que aprender tabuada, verbos, decorar pontos...”
Naquela época havia os tais “pontos”, uns textos longos de Estudos Sociais – hoje, Geografia e História – que teriam de ser memorizados. Para alguém sem habilidade mnemônica, meu caso, aquilo parecia castigo. “Tem que decorar, não decorou..., vai ‘tomar pau’, seu burro!”, era comum ouvir isso. Por essas é que se viam marmanjos, com “grama” na cara, agarrados nos anos iniciais, sem conseguir avançar. Dentre eles, alguns bagunceiros, que eram apenados com: “Devo respeitar minha professora!” – 50 linhas; para os reincidentes, 100 linhas, gabinete da diretora, ajoelhar-se em grãos. Aos recalcitrantes, expulsão.
Mas, antes que eu me esqueça, preciso falar de minha primeira professora, o tema desta. Conversando com uma ex-colega, ela disse que também não se lembrava. Fiquei um pouco aliviado, mas não o suficiente para dormir em paz. O encerramento do primeiro ano foi com a dona Terezinha, disso eu me lembro. Mas no começo do ano, eu tive duas: dona Aída e a dona Cecília, mas quem veio antes?... Eu escrevia nome delas no topo da primeira página do caderno brochura “O Contador”, que, na versão para pobres, era de 24, 48 e 60 folhas; para “ricos”, 72, 90 e 120 folhas – um calhamaço! O meu caderno tinha 48 folhas e eu me dava por satisfeito. Então, eu escrevia o nome da mestra: “Dona Cecília de Sousa Ferreira”, que mais tarde ganhou o “Almeida”. Mas, e a “Dona Aída Emídio de Almeida”? Esta também me alfabetizou, ou pelo menos tentou. Com esses nomes, inaugurei meu primeiro caderno e, assim, comecei a produzir garranchos que nem eu mesmo conseguia ler, quem diria elas. Mas quem foi a minha primeira professora?... Tá difícil, a coisa!
Maria Lima foi a primeira professora da irmã mais velha. A do irmão mais velho..., bom, isso é para historiadores (Mano Véio, é brincadeira!). Sei que é chato admitir, mas me sinto diferente, quase um E.T., por não lembrar de minha alfabetizadora. Ainda assim, ao iniciar mais um ano letivo, quero homenagear aquela a quem elejo como minha primeira mestra e me iniciou nas letras: Dona Cecília de Souza Ferreira e Almeida!
FILIPE
Publicado originalmente em 29/07/2011 - "blogdofilipemoura.com"
Tal como a mortadela, todo professor de ensino básico – aquele que trabalha com crianças e adolescentes – deveria exibir um rótulo apontando o seu prazo de validade. Isso mesmo. Digamos que, no caso do professor, seu ocaso fosse fixado ao completar 50 anos (de idade!). Portanto, aos 50, esse profissional deveria ser recolhido por estar vencido e impróprio para o “consumo” dos alunos. Deixaria de vez sua cadeira, que já foi cátedra, e se sentaria num banco. No banco da praça, por exemplo.
Aos 50, já não se tem aquela disposição de repetir inúmeras vezes ao jovem colegial que “quatro vezes zero não é quatro"; que carteira escolar não é bola de futebol para ser chutada; que sala de aula não é quadra de esportes; que a mãe do professor não é meretriz etc. Também não se deve “mandar” o anoso professor..., pois ele não vai. E não adianta insistir, porque ele não vai mesmo! [Se é que me fiz entender]
Aos 50, também não fica bem e chega a ser ridículo usar expressões do tipo: “Tô de boa!” “demorô, vacilão!”, ou “fala sério, galera!”, ou ainda “caraca, meu!”. Tais expressões são para os jovens. E os maduros que se calem ou pulem fora. E aos 50, tem de pular fora mesmo!
Infelizmente, muitos professores continuam na ativa, mesmo após cumprido seu tempo regimental para se aposentar. Alguns, que são exceção, são verdadeiros missionários do ensinar-e-aprender. Merecem nosso respeito e devem ser aplaudidos de pé. Muitos outros, porém, são uns crápulas. Nunca levaram a sério a profissão, que nunca abraçaram, e permanecem no cargo engrossando as estatísticas, municiando os institutos governamentais que são ávidos por aumentar o tempo de contribuição de qualquer trabalhador.
Pois bem, voltando à mortadela, vencido o prazo, ela fica rançosa e meio visguenta. Talvez o professor nem chegue a tal bolor, mas certo bafio anuncia a hora da despedida. Aos 50 anos, tchau!
FILIPE
O assunto hoje não é dos mais convidativos, pois falo de algo asqueroso, repulsivo. Apenas as almas puras como bebês ou pessoas senis lhe são indiferentes ou até demonstram alguma afinidade com ele: o cocô. Provavelmente o leitor não seguirá comigo, pois algo mais proveitoso deve aguardá-lo em outras páginas. Para lá, amigo, ou me acompanhe e se surpreenderá.
Este ensaio poderia ser ainda mais enfadonho, e você, que é inteligente, há de concordar comigo: política é bem pior do que cocô, não? Então, em vez de um texto sobre política, vou discorrer sobre cocôs. Uma sugestão: caso resolva prosseguir, faça-o furtivamente, sem que outros percebam. Abra duas páginas de forma que, com apenas um clique, esta tela se oculte e outra fique à mostra. É um disfarce para o caso de um curioso aparecer de supetão e o flagrar em “grave delito”. Se me acompanhar, talvez não se arrependa.
Os pobres da minha infância – que naquele tempo éramos abundantes – utilizavam fezes bovinas (bosta de vaca, para ser mais direto) para debelar a poeira do chão de terra batida da casa. Assim, crianças eram incumbidas de procurar o rebanho e recolher as ‘melhores fezes’, de preferência aquelas ainda quentinhas. Postas num balde com água, eram mexidas até que se tornassem uma sopa homogênea. Depois, com uma vassoura de ramos, aquela calda era espalhada por todo o piso da casa, que secava rápido e ficava uma belezinha. As crianças poderiam se sentar no chão, deitar e rolar sem que se sujassem.
Eu também cheguei a usar tal procedimento. Em casa não, pois meu pai ladrilhara o piso com tijolos e o produto em questão deve ser aplicado apenas sobre terra batida, pois sobre tijolos não funciona a contento. Mas passei essa barrela de ‘bosta de vaca’ em terreiros, onde juntávamos feijão ou arroz colhidos no roçado.
Mas o cocô não é de boa serventia apenas para nós pobres. As ricas e cultas gentes têm demonstrado profundo apreço por ele – não bovino, mas humano. Recentemente, um museu paulistano de grã-finos, o MAM (Museu de Arte Moderna), exibiu, em concorrida programação, obra-prima de um italiano composta de latinhas de cocô. Há quem diga que tudo não passa de uma farsa, que o artista não pôs nenhum cocô naquelas latinhas lacradas. Mas, para que seja de fato uma obra-prima, como garantem os marchands, seu conteúdo não pode ser outro. Por extrema ironia, ou o conteúdo da latinha é um autêntico cocô do artista (já morto), ou a obra é literalmente uma merda, sem nenhum valor de mercado. Dá para entender?
Para quem perdeu a exposição no MAM, há um museu em Milão denominado Museo della Merda. De minha parte, se eu for à Itália, prefiro ver os renascentistas. Mas, a quem se considera moderno, recomendo aquele museu ou as tais latinhas de Piero Manzoni. Também recomendaria o francês Marcel Duchamp, precursor da arte conceitual, com sua ‘preciosidade mictórica’. E para quem gosta de ler porcaria, nem precisa cruzar o oceano. Fique com a obra que consagrou Ferreira Gullar: Poema Sujo, um autêntico excremento literário.
Ah, eu não poderia deixar passar. Há algum tempo, num supermercado, vi um bolo com a inscrição: “bolo de cocô”. Pensei que fosse bolo de coco, mas não. Perguntei à funcionária se o rótulo estava errado, ela disse estar correto. Deixei lá o “bolo de cocô” e sai à procura de um bolo de coco. Não encontrei.
Hoje não falei da política nem de seus horrores, talvez de seus odores. Quanta fecalidade!
FILIPE
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