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Artigo encaminhado ao jornal "A Tribuna de Amparo"
Aline estava de volta à “Luiz Leite”, uma escola pública onde estudou da quinta série ao terceiro colegial. Como convidada, falava de sua trajetória para uma pequena plateia de jovens como ela, que sonha com uma vida melhor e um mundo mais justo. De família humilde, Aline quis quebrar o paradigma da perpetuação da pobreza, típica de uma sociedade capitalista e cruel como a nossa. Para isso, teve que estudar, enfrentar dificuldades, transpor barreiras e amassar com pés e mãos o barro que emoldura o triunfo dos fortes.
Terminado o Ensino Médio, Aline entrou num cursinho pré-vestibular, que ela mesma pagava com seu pequeno salário de ajudante de manicure. Sem tempo de sair, de se divertir, a sua rotina se resumia ao serviço, estudos e nada mais. Prestou vestibular ao final do ano, mas não conseguiu passar. Com apoio dos pais, parou de trabalhar para se dedicar exclusivamente aos estudos preparatórios, intensificando ainda mais a sua já fatigante jornada. Saia cedinho para o colégio, onde se reunia com colegas, e lá costumava ficar estudando o dia todo, muitas vezes dividindo um marmitex como almoço. Se a fome era grande, a grana era pequena e ela não podia se dar ao ‘luxo’ de fazer uma refeição completa. E assim, durante um ano inteiro, do amanhecer até altas horas, ela só teve tempo para equações, textos, análise sintática e redações. Todas as outras coisas deixaram de ser prioridade: namoro, encontros, baladas etc. Até que Aline adoeceu com estresse e pneumonia. Mas ela não desistiu. Curada, a jovem guerreira estava de volta ao “front”, empunhando com garra seus livros e cadernos.
Chegada a temporada de exames, Aline foi aprovada no curso desejado em duas universidades federais além da PUC de São Paulo, pelo Prouni. Agora, a sua dificuldade residia na escolha da faculdade – que charme! Optou por uma e lá se foi a garota com apenas duas malinhas e uns poucos reais no bolso. Se desistisse, não teria como pagar a passagem de volta... Mas Aline jamais desistiria!
Contudo, a luta de Aline estava apenas começando. Ingressa na faculdade, sem dinheiro, teve que batalhar por moradia, material didático, pela sobrevivência. Não bastasse isso, veio a enfermidade do pai, que infelizmente faleceu. Nesse período, pôde contar com a ajuda de colegas e as inúmeras rifas que sua mãe vendia, mas ela não ficou à mercê da boa vontade alheia. De início, trabalhou como faxineira nos finais de semana, depois deu aulas, foi monitora e desenvolveu projetos acadêmicos remunerados até a conclusão do curso.
Esta é a história da filha de um padeiro e de uma merendeira, que acaba de se formar em medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora, uma das mais tradicionais do País. Por isso, nestas Olimpíadas, quando o país-sede ostenta um mingau ralo de medalhas, doutora Aline Pavani representa um povo aguerrido que não medra, que luta e vence.
Que se curvem à Aline e a outros anônimos os deuses do Olimpo, porque a esses heróis pertencem todos os pódios e todas as medalhas!
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UM ADENDO
Aline fez algumas ressalvas em relação ao texto acima e me pediu que o “retificasse” com um adendo. Reclamou com todo direito que, num artigo sobre ela, não ficaria de bom-tom tachar de “capitalista cruel” a sociedade na qual vivemos, uma vez que alguns desses “capitalistas” não mediram esforços ao ajudá-la. E cita três famílias: Salles Barbosa, Furtado e a família Vida, todas “capitalistas”, a quem está infinitamente agradecida. Por outro lado, os “esquerdistas” não lhe deram sequer apoio moral.
Não se pode generalizar e Aline tem razão em me ‘repreender’. Há ricos generosos e pobres sovinas. Cristo, embora condenasse os avarentos de seu tempo, foi acolhido por gente rica. Mas continuo crítico da “sociedade capitalista”, porque não me parece razoável que o pobre tenha que depender de altruísmo para se erguer na vida.
Sobre os “esquerdistas” falastrões, sem comentários. Há muita gente moralista, dizendo-se de esquerda, arrotando honestidade, mas com práticas obscenamente injustas. Tão cruéis, quanto os capitalistas acusados de sonegar direitos sociais.
Desculpe-me pelo mau texto, Aline. Não quis fazer discurso ideológico sobre sua trajetória, mas contemplá-la como um símbolo de quem, como poucos, lutou e venceu.
FILIPE
Publicado originalmente em 05/08/2011 no 'blogdofilipemoura.com'
O sol já se põe. Após algumas baforadas no cigarro de palha, ele se recolhe ao seu quartinho. Pega do bolso o vospic – um velho isqueiro dos tempos em que trabalhava na roça e o único bem de que se pode dizer seu – e o coloca junto ao cigarro sobre a mesinha, na qual descansa uma pequenina madona de resina. Ao lado, há uma cama vazia. Seu companheiro de solidão ainda não veio. Deve estar no banheiro, porque de uns tempos para cá, uma incontinência os faz levantar diversas vezes à noite para urinar. Às vezes, não dá tempo de chegar ao mictório; por vezes, nem se dão conta da urgência e a coisa se mistura ao sono, molhando seus sonhos.
Mas seu Sebastião – esse é o nome do primeiro – quer dormir logo, pois amanhã seu filho deverá aparecer. Desde que chegou ali, não se recorda de quantas vezes o filho veio: se duas ou três. Mas se bem se lembra, a última foi por ocasião do dia dos pais. Então, quem sabe ele vem amanhã?... O filho é bastante ocupado e, por isso, não tem tempo de visitar o pai. É de fato compreensível. A vida exige muito daqueles que querem ganhá-la. São viagens, almoços, jantares e outros tantos compromissos profissionais típicos de quem ocupa posição de relevo na sociedade. Seu Sebastião compreende as dificuldades do filho. “Coitado..., pôs-me aqui para que eu não ficasse por aí, jogado. Muito bondoso esse meu filho! Quando puder, ele vem me ver. E quando puder mais um pouco, vai me levar com ele”. Assim pensa e às vezes até fala para si, a fim de ficar convencido da bondade do filho.
É madrugada. Uma imensa mancha ruiva surge no horizonte e derrete a escuridão daquela que foi uma noite gelada e sem lua. Seu Sebastião levanta-se e se senta na cama. Na mesinha está um copo com água, que é ruidosamente derrubado por ele ao procurar o toco de cigarro, que ali deixara antes de se deitar. A água se espalha pela mesa, molha seu cigarro impedindo-o de baforar naquele momento. Caminha até a porta e, abrindo-a com cuidado, observa no lusco-fusco do quarto seu companheiro dormindo.
O dia vem célere. O filho..., talvez mais tarde. Primeiro terá que ganhar a vida. E seu Sebastião ainda pode esperar mais um pouco. Antes de perdê-la.
FILIPE
De filipemouralima@gmail.com para casacivil@presidencia.gov.br
Andei pesquisando e não encontrei a informação de que tanto preciso: Com quantos anos, em que cargo e com que salário se aposentou o ministro Eliseu Padilha?
Ficaria muito agradecido se o próprio me informasse.
FILIPE
Fui ignorado pelo ministro-chefe da Casa Civil a quem ousei mandar o e-mail acima, mas isso não me surpreendeu. O que me assombrou foi a súbita indignação de uma boa alma, até então muito crédula da ‘nova ordem’ que se instalou no país.
“Quanto tempo falta para você se aposentar?” – perguntei àquela mulher, uma velha conhecida. “Tô contando nos dedos. Pra mim, faltam cinco anos... Cruz-credo, num aguento mais esperar!” “É, mas talvez falte mais tempo...” “Como assim, mais tempo?!...” “O novo governo vai mexer no tempo de contribuição.” “Mas, pros novos, né?... Pra nóis, os véio, num mexe mais não.” “Querem aumentar em quarenta por cento o tempo de contribuição para todos. Assim, você terá que trabalhar mais sete anos, em vez de cinco.” “Mas num pode...” “Poder, não pode, mas você não sabia?” “Não! Eu vejo o Jornal Nacional todos os dias e não vi nada disso...” “Ahn!...” Mordi a língua para não dar risada.
Esse assunto foi um despropósito. Após um dia inteiro na labuta, a mulher estava esparramada no sofá – cansada, mas serena e feliz. Queria assistir à tevê tranquilamente, mas alguém lhe estraga a tarde... E estraguei mesmo. Ela se reposicionou no sofá, agora o rosto teso, ruborizado, e começou a vociferar contra o governo. “Eu não aguento trabalhar por mais tanto tempo. Já estava certa de que ia me aposentar daqui a cinco anos...” E começou a despejar uma malcheirosa carga de impropérios. Por pudor, não reproduzo suas palavras e as trocarei por algo próximo a parônimos. O leitor que se esforce e me desculpe. “Mas num pode..., buda baliu! Mas que filho da luta! O que nóis vai fazê pra arrancar esse fiado de lá?! (...)”
Estranhei o rompante de quem sempre esteve empolgada com o ‘temerário interino’, mas arrumei um jeito de piorar a coisa e fiz a fervura levantar a tampa da panela. “Tem uma saída”, eu disse. Ela arregalou os olhos, esperando consolo. “O governo propõe, a quem não aceitar o aumento no tempo de serviço, idade mínima de 65 anos para homens e 62 ou 63 para mulheres e você poderá escolher.” Mal terminei e a pobre começou a tossir. Sua face, antes rubra, tornou-se arroxeada. Mas não era de brabeza aquela tosse. Talvez cigarro, um golpe de ar frio, sei lá..., brabeza é que não era. Saí dali ‘morrendo de dó’, coitada...
Eu, que me aposentaria ano que vem, terei que ralar ainda por sete, talvez setenta, ou quem sabe setenta vezes sete anos! Muitos perguntam: “Já se aposentou? Quando se aposenta?... Estou velho, mas sem exageros, por favor. Outro dia, um trouxa passou de moto e gritou: “Oi, fessô, cê num morreu ainda?!”
Não morri, não recebi resposta do ministro, mas senti uma estranha comichão de contentamento com a macabra notícia da reforma da Previdência engendrada por Padilha, que o JN não deu e a Folha escondeu na última página. Mas o povo bem que merece as traquinagens do “pai do ‘Michelzinho’”! Então, pra que chorar?...
FILIPE
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