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Passa das três da tarde e não fiz a postagem da quinzena. Pus um CD com uma espécie de réquiem, para eu digitar durante sua execução. O que sair aqui, saiu e nem vou pedir desculpas a ninguém, até porque ‘desculpas’ seria o tema deste texto. Estou de saco cheio dessa palavra, que serve para tudo, mas não resolve nada. Depois de qualquer grosseria, vem aquele deslavado pedido de desculpas. ‘Desculpas’, a rigor, seria: não tenho culpa, então peço desculpas... Mas desta vez, não tem nada disso. Não vou pedir desculpas e o raro leitor ficará desincumbido de me fazer tal favor.
Estava querendo falar sobre escola, mas o arredio leitor tá de saco cheio de escola. Em todas as mídias já tem alguém falando disso – sempre baboseiras, mas a minha escrita também seria mais uma bobagem. Ia dizer que há uma gente sórdida, que tem “alergia a giz”, domina mal a Língua Pátria, mas gosta de dar pitaco no trabalho da peãozada que respira poeira do tal giz. Essa gente maldita, que não sabe de nada e que, quando abre um livro, só o folheia até a página dezessete (não sei por que a ‘dezessete’, quando poderia ser até a página dezoito ou a trinta e cinco), para depois poder vomitar Paulo Freire ou Rubens Alves, que nunca foi ‘Rubens”, mas Rubem. Recentemente, houve uma “sumidade” reproduzindo algo do Rubem Alves, mas citando Rubem Braga como autor. Tanto faria, caso o Velho Braga não se incomodasse com tamanha burrice. Ah, se quer ser chique, então que seja sofisticado. A falsa sofisticação é verdadeira breguice, e desta eu entendo bastante!
Queria falar sobre Brasília, onde mora atualmente o “Tranca-Rua” ou o “Coisa”. Mas meu texto ficaria pior do que já está ficando e o CD tá acabando. Não sei por que não pus um mais ‘comprido’, porque este é bem ‘curtinho’ e não vai dar para continuar escrevendo. Sorte sua, que ainda está por aqui, pois já vai ser liberado para curtir seu fds (não gosto dessa abreviação; parece xingamento, algo que jamais escreveria).
Queria falar sobre as atrocidades de Brasília, das ocupações das escolas no Paraná, da “guerra do vatinã” – que não é aquela em que os americanos saíram humilhados, mas outra. Esta, a “guerra do vatinã”, deverá ser travada por uma senhora e seu filho chupim. Ela disse que desta vez a “juripoca vai piar”. Não sei o que é juripoca, não a vi piar e nem vi a Guerra do Vietnã. Mas a minha amiga promete guerra e eu não duvido de sua juripoca.
Bom, o CD está nos acordes finais e eu já saio desta bagaça, prometendo algo mais consistente na próxima vez.
Acabou a música, acabou o texto!
FILIPE
Na minha infância, dos poucos livros que havia em casa, um era de contos. Lembro-me de uma história, não tão fabulosa como os clássicos infantis, mas dotada de magia. O título me fugiu, deixando apenas a imagem de um “nadador’ e de um “lenhador”. Ei-la.
Certa feita, um lenhador cortava lenhas à beira de um rio quando num golpe meio desajeitado, o machado escapuliu e caiu na água. O rio era profundo e o pobre homem não sabendo nadar, sentou-se à margem e começou a murmurar: “Como vou fazer para ganhar o pão das crianças?... Meus filhos são pequenos, minha mulher anda sempre adoentada e esse machado era minha única ferramenta de trabalho. Para comprar outro, terei que andar léguas até o arraial e convencer o dono do armazém a me vender fiado. E ainda terei que trabalhar por muito tempo só para pagar o machado. Ai, meu Deus, o que farei da minha vida?...” Nisto, apareceu um jovem dentro do rio, nadando pra lá e pra cá, sem perceber a presença do lenhador, que estava atrás de uma moita de capim. Ouvindo aquele murmúrio, o nadador deu umas braçadas mais vigorosas e se aproximou. “Por que choras, caro lenhador?” “O meu machado (...)” [não vou repetir a história, porque o leitor já sabe]. O nadador perguntou: “Onde caiu teu machado?” “Ali, um pouco abaixo, mais um pouco..., aí!”, disse ao nadador. Este deu um mergulho e custou a voltar, preocupando ainda mais o lenhador. Perdi o machado e agora perco também o amigo, pensou. Mas o nadador sabia mergulhar direitinho e emergiu com um machado: “É este?” O lenhador pegou o machado, examinou e vendo que era de ouro, respondeu: “Não, senhor, não é tão bom como este”. O nadador deu outro mergulho e voltou com um machado de prata: “É este?” ‘Pegando o machado, disse: “Não, amigo, também não é bom como este”. Por fim, o nadador mergulhou novamente e trouxe um machado de aço: “É este?” “Sim, senhor, este é o meu machado”. Quando voltou os olhos para o nadador, a fim de lhe agradecer, não havia mais ninguém. Então o lenhador voltou para casa feliz com o presente. A partir de então, estaria rico, muito rico, sem necessidade de cortar lenhas para sobreviver. Chamou seu compadre, contou-lhe a novidade e festejaram com um lauto banquete.
Mas o compadre do lenhador também queria ficar rico. No outro dia bem cedo, procurou um vizinho a fim de lhe comprar o machado. O vizinho não queria vender a ferramenta, precisava dela e a usava todos os dias. Mas após tanta insistência, acabou vendendo o machado para o homem, que pagou com dinheiro grande e nem quis esperar troco. Naquela mesma manhã, correu para as bandas do rio, atirou o machado no lugar mais fundo, sentou-se e começou a chorar. Mas o seu choro não parecia verdadeiro, por isso não veio ninguém a socorrê-lo. Caprichou um pouco mais no choro, e nada. Já de tardezinha, triste e desanimado, ele chorava de verdade. Nisto, chegou o nadador: “Por que chora, homem?” “Perdi o meu machado!” “Vamos procurá-lo”, disse saindo do rio e chacoalhando o corpo para se livrar das gotas d’água. “Não, caro mergulhador, meu machado caiu dentro do rio!”. “Ahn, não sou mergulhador, sou nadador!” “Mas, o meu compadre...” [quase completou a frase fatal] O nadador parecia estar com pressa, quis dar ponto final à conversa e disse: “Onde caiu o machado? Diga, que vou buscar”. “Ali, bem ali”. O nadador pulou na água e, num átimo, subiu com um reluzente machado de ouro maciço. Quando ainda mal se equilibrava sobre uma pedra, em meio à correnteza, o homem berrou: “É esse mesmo! É esse aí!...” Um estupefato nadador atirou o machado na água, desaparecendo num mergulho.
Acabou o espaço. Eu ia usar esta fábula para ilustrar uma burla, mas não deu. Desculpas!
FILIPE
Publicado no 'blogdofilipemoura' em 05/10/2012
Estava planejando dar sequência ao tema anterior, mas alguma coisa está acontecendo por cá, o que me fez mudar de assunto. Convido o bravo companheiro a se retirar, pois a prosa do momento poderá aborrecê-lo bastante. Portanto, tchau!
Já que me encontro só, sinto-me à vontade para dar uma esvaziada em minha peçonha e aproveito para atacar as incultas massas pela sua voluntária (e talvez providencial) burrice. Ser pobre quase nunca é opção, mas a estultícia chega a ser uma vocação. “Por que o escriba se incomoda tanto com seus pares?”, teria perguntado o recém-despedido leitor. Explico.
Pobre é pobre, rico é rico. Desde que o homem desceu da árvore e a sociedade foi se organizando, essa diferença se faz cada vez mais intensa. Aliás, é falacioso o termo “sociedade”, assim no singular. Nós não vivemos em “uma sociedade”, pelo simples fato de ela não ser única. Poderíamos dizer que vivemos em “sociedades”. Há, grosso modo, duas delas: a dos livres e a dos servos. Talvez a segunda seja ainda mais plural, pelo fato de muitos pobres arrotarem fortuna que jamais terão. Esses desafortunados, metidos a besta, acabam servindo aos interesses dos ricaços, principalmente eleitoralmente. Prova disso, é a tendência do eleitorado socialmente marginal em se aglutinar à elite. Carangos e casebres ostentam os mesmos pôsteres que carrões e mansões. A impressão é de que há candidaturas tão cândidas que reúnem, num só projeto, os interesses dos mais extremos e diametralmente opostos estamentos sociais.
“Em quem votar, se todos são iguais?”, essa é uma pergunta típica de quem, cooptado pelos plutocratas, já “entregou a alma ao demo”. A moeda recebida talvez nem passe de um sorriso, ou de um aperto de mão. Alguns de nós, da banda pobre, só de receber um aceno de um doutorzinho-candidato já ficamos ouriçadinhos. Quanta carência de brios!
Há quem interprete de forma equivocada os dizeres de Cristo, quando amaldiçoara magistralmente os ricos. Para este escriba, não há nada a retificar naquele dito. O Mestre foi enfático no que diz e sabia muito bem do que estava falando. A única observação que cabe aos teólogos talvez seja esta: Cristo nunca afirmou que basta ser desprovido de posses para tomar posse no seu Reino. Até por que, o que há de pobre soberbo... O endereço, o bolso, o estômago, até o piloro é de pobre. Mas a cabeça é de rico. Uns estultos!
A alguém que se aventurou por esta espinhenta e pedregosa seara e veio até aqui, apresento minha gratidão não sem antes pedir “insinceras desculpas”. Este texto deve ser como um daqueles, comentado por um amigo leitor: “É para ser lido e esquecido; quiçá nem publicado!”.
FILIPE
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