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ATÉ QUANDO?

por feldades, em 17.02.17

O Poder estava “dominado pela senzala corrupta’’, então o “povo do bem” movimentou-se febril, ocupando ruas e praças, batendo panelas ou o que delas sobrou de tão amassadas. E o Poder pôde, finalmente, ser recuperado por uma “legião de anjos bons”. Agora, sob o lema “Ordem e Progresso” – um “achado publicitário” de fazer inveja em Washington Olivetto – a casa-grande pôs de volta o Brasil nos ”trilhos”. O fato de o “presidente-bufão” ocupar o topo na lista da Lava Jato, com 43 citações e, numa irônica inversão de algarismos, seu homem de confiança aparecer com 34 citações é apenas um detalhe. Também é apenas detalhe o fato de o ministro da Justiça ter chupado trechos da obra jurídica de um espanhol, até porque “quem não cola não sai da escola!” Mas, cá pra nós, que coisa feia, hein?! E o cara ainda vai vestir a toga de juiz da Corte Suprema, vai julgar autoridades federais...

 

A ficha de serviços desse pretenso membro do STF é robusta. Quando titular da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo protagonizou cenas de truculência contra movimentos sociais, mas não só. Quando um hacker, metido à besta, cismou de xeretar os arquivos digitais da ‘mãe do Michelzinho’, o ‘pai do Michelzinho’ não se fez de rogado. Com a prerrogativa de vice-presidente da República acionou o governador paulista e este pôs a estrutura da Secretaria de Segurança a serviço do amigo. O então secretário mostrou-se competente, montando uma força-tarefa com cinco delegados de polícia, três peritos e vinte e cinco investigadores, e a missão foi cumprida com presteza. Em apenas seis meses, o malandreco fora laçado, julgado e condenado, cumprindo pena de cinco anos e dez meses numa gaiola de segurança máxima. Mas cá para as bandas da senzala, as coisas não funcionam tão bem assim. De cada cem homicídios, noventa e tantos não são solucionados e criminosos nem sequer são identificados. Ou seja, menos de 10% dos homicidas são condenados, e se a vítima for pobre é quase certa a impunidade.

 

Mas as lambanças do atual inquilino planaltino não têm destaque na grande mídia. Um exemplo disso é a retomada do desmatamento em grande escala. As motosserras estão fazendo um barulhão danado lá pelos lados do Norte onde extensas áreas amazônicas são desflorestadas a fim de abrigar o agronegócio. Desde o início da “gestão temerária” mais de mil quilômetros quadrados de mata já foi abaixo – área superior a três municípios de Guiricema, minha terra natal, ou quase setenta por cento do município de São Paulo. É, os ruralistas estão recebendo a parte do butim pelo seu “labor” em favor do impeachment. Além disso, reservas indígenas serão “repensadas” e a Floresta Amazônica deverá ser descontinuada por rodovias – uma fatalidade para a fauna, que requer grandes extensões de mata fechada e contínua.

 

Segundo a sabedoria árabe, “os cães ladram e a caravana passa”. Aqui, porém, “o comboio maldito segue tranquilo enquanto a matilha dorme”. Até quando?

 

FILIPE

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JANELAS FECHADAS

por feldades, em 11.02.17

Publicado em 22/06/2012 no "blogdofilipemoura.com"

 

Por quanto tempo habitara aquele casarão? Para a rua, são sete janelas. Sete janelas sempre fechadas e no interior da casa, aquela misteriosa senhora. Sua existência leve, sutil, passou como uma sombra – dessas produzidas por uma pequena nuvem que encobre o sol. Mas tão fugaz, que mal se nota.

  

Uma única vez pude vê-la à soleira de uma das janelas timidamente aberta. Conversava com uma passante. Talvez amiga antiga ou, quem sabe, uma vizinha com quem se conta para emergências eventuais. Mas foi só. A sua presença fazia-se notar somente à noite, quando uma tênue claridade, vinda de seus aposentos, vazava pelas frestas de uma ou outra janela. Aquele enorme espaço parecia ser ocupado pela mais absoluta solidão.

 

A velha senhora se foi tão discretamente como vivera. Deixara o casarão, também velho, de paredes descarnadas, com a cal e o reboco puídos, mas conservando os traços de uma pomposa arquitetura do final dos oitocentos ou do alvorecer dos novecentos. Talvez um vitoriano tardio.

 

Sempre associei casa a um rosto. Uma casa fechada, de janelas fechadas, parece-me triste. Tem a expressão de um choro. Enquanto uma casa de janelas abertas, escancaradamente abertas, expressa um sorriso, uma gargalhada até. E o casarão da esquina ficou ainda mais triste sem aquela mulher.

 

Como teria sido o seu dia a dia? Fazia palavras cruzadas, lia, rezava, ouvia música ou escrevia suas memórias? Sempre que eu passava em frente, imaginava-a absortamente curvada sobre uma mesa, escrevendo suas lembranças. Rememoraria sua infância junto ao avô, que sempre lhe contava a história daquele casarão. O velho, quando moço, carregara os tijolos para fazer o alpendre. Todo o material teria vindo em carros de boi, com suas enormes rodas em aro de aço sulcando as ruas da cidade, todas de terra. O aboio e a cantiga produzida pelos cocões feito cigarras ficaram bem lá atrás. Essas e outras reminiscências estariam registradas nuns caderninhos empilhados sobre uma pequena estante no canto da sala. Que destino terão aqueles escritos?..

.

Como foi seu último dia? Acordou cedo, tomou café, ou tomou um chá para aliviar a dor que viria ser a derradeira? Teria alguém por perto para lhe fazer o chá? Alguém que lhe apertasse a mão, que a ouvisse e que prometesse que guardaria seus escritos, que os queimaria ou que os publicaria? Ou partiu como sempre vivera?... Só. Sentira medo, frio, fome, sede? Talvez a porta estivesse mal fechada e uma incômoda corrente de ar frio lhe causasse arrepios e ela, sem forças para se levantar, tenha procurado um segundo cobertor para se agasalhar. Mas este estava no guarda-roupa, a “léguas” de sua cama. Entre tremores e temores, sua visão teria ficado turva. Seu olhar, embaciado, varreria o ambiente numa agônica despedida. No canto à esquerda, a mesinha com a Bíblia aberta nos Salmos; à frente, a penteadeira com restos de perfume, colônias e outras coisas que há muito deixara de usar; no alto da parede oposta, um retrato do casal, já bastante amarelado, ladeado por um crucifixo e o guarda-roupa enorme e inútil porque incapaz de atendê-la com seu estoque de cobertores. E, naquele torpor, tudo se misturava, confundia e embriagava. O mundo girava e girava, e cada vez mais rápido. Seria impossível mesmo suportar a fúria do fim.

 

FILIPE

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AIRTON

por feldades, em 03.02.17

Eu não me lembrava do nome dele, embora o conhecesse há muitos anos, desde os tempos em que a biblioteca da cidade funcionava aos sábados, quando sempre nos víamos de relance. Naquela ocasião, estava ele sempre afundado nas leituras enquanto eu apenas ciscava os jornais. Nossos cumprimentos eram magros: um meneio de cabeça, um até mais e só.

 

Certa vez nos encontramos na rua e percebi que era um homem simpático, gostava de conversar. Eu estava construindo, ele passou em frente à obra e quis trocar ideias, porque também estava fazendo sua casa. Tempos depois, reencontrei-o e perguntei o motivo por que não voltara à biblioteca. “Não tenho mais tempo”, respondeu.

 

Noutra vez o vi atravessando a rua com umas sacolas, apressado, despenteado e ainda assim o abordei. "E aí, tudo bem? Como vão as coisas, tem ido à biblioteca?” Àquela altura, a biblioteca não abria mais aos sábados e eu, há tempos, deixara de frequentá-la. Ele me disse: “Estou cuidando de meus pais e fico sem tempo para ir lá”. Soube, então, que era ele quem dava comida, banho e punha seu papai e sua mamãe para dormir.

 

Dia desses, bem cedinho, deparei-me com ele. Não diria que estivesse bem penteado, porque uma calva ocupava todo aquele espaço nobre do coco. Caminhava devagar, quem tinha pressa era eu. Parei e perguntei: “Como vão seus pais?...” Ele apontou para o alto. “O quê?! Eles partiram?...” “Sim, no ano passado. Minha mãe foi em junho e meu pai no final de dezembro.” Na falta do que dizer, arrisquei: “Somente Deus poderá lhe recompensar pelo que fez.” “Não fiz nada além da minha obrigação”, respondeu convicto.

 

Eu não conheci os pais dele, portanto não havia motivo para que eu ficasse tão perturbado. Mas o apreço que tinha por eles e os cuidados intensos me comoviam. Ele se desligou de um escritório, onde trabalhava, para uma dedicação integral aos velhos quando sua enfermidade agravou. “Meus pais cuidaram de mim, me deram a vida. Tudo que fiz não é nem um tiquinho do que fizeram por mim. Quantas noites minha mãe e meu pai ficaram sem dormir por minha causa?... Disso eu não me lembro, pois era bebê. Agora eu tive a oportunidade de fazer esse pouquinho por eles”, disse-me. “Qual é seu nome mesmo?”, perguntei envergonhado. “Airton”, respondeu. “Então, Airton, vou pô-lo nas minhas preces.” “Reze pelos meus pais!” “Rezarei por eles também”, respondi, sem muita certeza de cumprir a promessa. “E agora, o que pretende fazer, vai voltar a trabalhar?” “Ah, sim, estou dando um tempo para ver o que faço. Mas pretendo voltar para o escritório. Vou descansar um pouco e depois vejo isso.”

 

Mas aquela expressão de leveza, do dever cumprido, muito me impressionou. Depois disso, continuei minha apressada caminhada enquanto o Airton seguiu lento o seu caminho. Levava consigo a ‘imperecível coroa dos justos’ de quem ‘combateu o bom combate’. Tinha ele a serenidade de quem cumpriu fielmente a suprema obrigação de cuidar dos pais.

 

FILIPE

 

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