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CARNE AMARGA

por feldades, em 31.03.17

Não fui consultado sobre o que penso da ‘Operação Carne Fraca’ que abalou o País, mas estou dando meus palpites. De início, estranhei o nome “carne fraca”, que me fez lembrar o apóstolo Pedro num franco desabafo ao Mestre. Pedro tinha o ‘espírito forte’, mas admitiu ter a ‘carne fraca’. De minha parte, não sei se minha carne é forte o bastante para trabalhar até os sessenta e cinco anos como quer o “ogro do Planalto”, mas o meu espírito é bem fraquinho e tem passado por muitos perrengues ao longo desses anos.

 

Deixando de lado a “franqueza petrina” e voltando às mazelas verde-amarelas, parece que os policiais federais acharam carnes estragadas, e carne estragada não é carne fraca, mas podre. Se a operação não pôde ser batizada com o sugestivo nome de “Carne Podre” é porque algo ainda mais putrefato ocorrera com as autoridades.  

 

A mídia não destaca, mas está também em curso a ‘Operação Carne Fria’. Nesse trabalho, a PF investiga negócios entre pecuaristas de áreas ilegalmente desmatadas do Norte e os famosos frigoríficos. Naqueles descampados, o gado é criado clandestinamente e adquire ‘certificação fria’ para ser comercializado regularmente. Como os grandes proprietários de terra da região amazônica são também os donos do Congresso, a coisa não vai andar.

 

Não tenho muito a dizer sobre assuntos tão sisudos, como o comércio de carnes vencidas, mas imagino que na net podem ser encontradas informações bem detalhadas na forma de textos, tabelas, planilhas e que tais. Este espaço, porém, reserva-se à opinião deste blogueiro e de uns poucos leitores que aqui aportam. Quero, então, fazer um pequeno questionamento: o que o bicho, o verdadeiro dono da carne, acha de tudo isso? Ninguém foi entrevistá-lo, até porque o boi, o porco, o frango e seus semelhantes, sempre desconfiados dos humanos, não costumam dar entrevistas. Mas fico pensando: o que eles teriam a dizer?...

 

O ser humano, esse glutão, só quer saber de comer carne. E a carne tem de ser saborosa, barata e abundante, não importando os meios para se chegar a isso. Faz-se churrasco porque é fim de semana, o Flamengo ganhou, o Flamengo perdeu... Enfim, sempre há um bom motivo para um bom churrasco! O pior nem é a churrascada, mas o desperdício. Observe, devotado leitor, numa festinha, como se desperdiça carne!...

 

Neste breve ensaio, recuso-me a discorrer sobre o abate, algo ainda paleolítico, horripilante; também não quero falar sobre as “fábricas de carne”, onde o bicho vive seu inferno particular; o transporte então... E não vou comentar as condições subumanas dos operários nos frigoríficos. Apenas quero provocar uma reflexão: todo alimento é sagrado, porque vem de nosso trabalho; a carne, contudo, tem mais sacralidade, pois não é apenas resultado de um labor, mas fruto da dor do animal que foi abatido. Desperdiçar um pedaço de carne é dessacralizá-lo!

 

O Criador deve estar muito aborrecido com as atrocidades cometidas pelos humanos contra inocentes criaturas. Por isso, gostaria de viver o suficiente para ler uma bula, uma encíclica, uma pequena carta papal em defesa da vida animal. Para que se cumpra a exortação bíblica: “Feras e rebanhos, bendizei o Senhor!”

 

FILIPE

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ÓLEO NA PISTA

por feldades, em 25.03.17

Publicado originalmente em 16/12/2011 - blogdofilipemoura

 

A tarde escorria insuportavelmente quente e preguiçosa. Interrompi uma leitura e vagueei pelo prédio nu, desprovido de sua matéria prima: os alunos. Lá fora, um pequeno grupo se formava em torno de um homem traído por sua moto, que lhe deu uma rasteira e o estatelou no chão – felizmente não se ferindo. Houve certa agitação, alguém ligando para os Bombeiros, ou para a Guarda etc. Passados alguns minutos e já resolvido o problema do desafortunado motoqueiro, saí para observar as coisas e “investigar os seus porquês”. Um colega estava parando os motoristas, a fim de alertá-los quanto ao óleo derramado no “leito carroçável” ou “pista de rolamento” – conforme dizem as autoridades –, mas para nós, os comuns, é rua mesmo. Ou chão da rua, para ser exato.

 

Compadeci-me do amigo. Estava vermelho e sua “laje”, luzidia e descoberta, parecia estorricada pela inclemência do sol. Quis ajudá-lo, alternando com ele. Ora ele orientava, ora eu. Porém, eu não conseguia fazer com que os motoristas me obedecessem. O amigo ria da situação, afirmando: “A gente só quer ajudar e os caras nem reconhecem...” Na verdade, os motoristas lhe obedeciam e até agradeciam. Mas a mim... 

 

Resolvi improvisar. Fui à escola, peguei uma cartolina e escrevi com tinta forte e em letras gigantes: “ÓLEO NA PISTA”. Fixei-a numa régua de madeira e, como aqueles caras da Fórmula 1, exerci minha função cidadã, fazendo valer “minha autoridade”. Motoqueiros, ônibus, caminhões e até bicicletas eram interceptados com aquela bandeira a poucos metros da fuça. Não havia quem não me obedecesse. Todos paravam, liam e ouviam minhas explicações. Depois seguiam cuidadosos e agradecidos, esquivando-se daquele tapete escorregadio.

 

Passadas quase duas horas, os “homens” chegaram.  Estacionaram a viatura na única sombra que nos protegia e, do alto de sua importância e sem nos dar atenção, operavam o rádio, falando com gente ainda mais importante. Somente na terceira tentativa é que consegui falar com aquele que parecia ser o chefe. Sob a minha sugestão para que interditassem logo a rua ou removessem o tal óleo, respondeu: “Isso é coisa simples, não causa problema...” Argumentei que houve dois problemas: o tal motoqueiro e uma senhora, que escorregara ao atravessar. ”Mas não pode jogar água, porque o óleo aumenta!” “Essa é nova: podemos fazer nosso combustível render, adicionando-lhe água!” , pensei  e prossegui: “Mas seu guarda, não é pra jogar água, tem que pôr serragem!” E ele: “Já vem a serragem. O caminhão está na serralheria!” Matutei: “O cara confunde serraria com serralheria, que produz limalha. Talvez essa limalha seja diferente...”

 

Enquanto eles traçavam seus planos, eu “bandeirava”. Daí a pouco, volta-me o “chefe”: “Você não pode pôr a placa na frente do motorista, pois lhe tira a visão!”  “Mas, seu guarda, ele tem que parar mesmo... ele não pode passar em velocidade pelo óleo!”   “Não. O senhor fica ao lado, segurando a placa, eles olham  e ficam sabendo do óleo.” Entreguei a placa a ele dizendo: “Vou deixar para o senhor.” “Continue o seu serviço!” “Não, senhor, preciso entrar. Se quiser, pode ficar com a bandeira.”

 

Demiti-me e saí de cena. Espetada num cavalete, fruto de meu estro, a cartolina com letras tremidas avisava: ÓLEO NA PISTA. 

 

FILIPE                                                                                         

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UMA CORRESPONDÊNCIA

por feldades, em 17.03.17

Meu querido irmão Filipe, paz e bem! 

 

Que bicho estranho eu sou, né? Você até se antecipou ao meu aniversário e eu, nada! 

 

Mano, muito lhe agradeço as palavras de sincero afeto por ocasião de meu natalício! A gente é humano e se alegra pela amizade e pelas expressões de carinho, sobretudo quando são expressões da alma! Estou muito feliz de chegar aos 44! (um pouco preocupado também, é verdade... Tô ficando velho e às vezes isso assusta! Coisas para integrar!) 

 

Mano, como de outras vezes, consegui passar uns dias, durante o meu níver, no Morro [um eremitério], lá em Guarapuava. Dessa vez foi bem diferente, pois fiquei sozinho. Na primeira noite, fiquei meio receoso (ansioso). Me chuchei cedo debaixo das cobertas – na verdade, o meu mantéu de frade. Não levei cobertor, pois achei que lá já teria, ou quem sabe..., é verão ainda e estaria mais quente. Passei um frio danado. Aos poucos, fui me acalmando e só não dormi melhor mesmo, devido ao frio. No segundo dia não pousei lá, mas no Convento, por causa de compromissos. Então voltei, levando um cobertor na guaiaca e aí pude dormir bem. Encontrei cobra escondida na latrina (jararaca), que ficou lá até o final, e duas baitas aranhas em noites diferentes. Mas isso não me assustou. Pude acender o fogãozinho, bem mais precário que esse aqui [do eremitério] de Ponta Grossa. Mas é algo tão singelo ver aquele fogo crepitando, a fumaça corcoveando, aquele arzinho de se estar em casa, mas ao mesmo tempo tão só. A natureza exuberante, muita chuva, muitos pássaros... E, sobretudo, estar a sós com Deus. Não ter pressa de rezar, não consultar muito o relógio, deixar o dia fluir entre pequenas leituras espirituais e atos de entrega, confiança, pedidos e louvor ao Criador, que nos envolve por dentro e por fora. 

 

Tudo isso não é lá tão romântico assim. Às vezes vem o vazio, o tempo não passa. Então, é hora de alguma atividade física: buscar lenha, pedras para a construção, água na mina... Esquentar a água e tomar banho de cavalo (é isso?), usando-se uma pet. Deita-se cedo para combater o medo e também por estar sempre chuvoso. E acordar para o louvor, iniciando o dia com o rito de acender o irmão fogo. Depois, mais tarde, da capelinha próxima, de pedra, escutar a água já chiando na panela... Deus seja louvado! 

 

A tal da cobrinha deu trabalho. No penúltimo dia, à noite, um grupo apareceu por lá. Um deles era militar e eu pedi para dar um jeito de retirar a peçonhenta, pois poderia machucar alguém desprevenido. Ele se prontificou, arrumando um barbante e uma forquilha para imobilizá-la. Tudo pronto para a ação louca de arriscada, quando aparece um companheiro, descontado da ideia (muito gente boa, em geral) com um trago de pinga na cabeça e se atirou sobre a cobra, pegando-a à unha. Foi imediatamente picado e levado às pressas para o hospital (descer todo o morro a pé, pegar o carro lá embaixo, e por estrada de chão de uns 3 km, a procurar recurso). Salvou-se, mas amargou uns quatro dias de hospital... Quem sabe tenha aprendido, pois estragou a nossa noite! 

 

Mano, tô comprido hoje, né?! Fico por aqui. Estou bem, graças ao bom Deus. Sábado passado tivemos a ‘sopa na rua’: mais de trinta jovens juntos. Lembrei-me de você. Ah, a Indiasara, de Guarapuava, também mandou abraços, e o povo do Fernando! 

 

Deixo-lhe um abraço muito carinhoso. Desculpe o “sumiço do tio Gerson” no paiol. Não sei se é o “espírito do Vô Aurélio”, que me faz cair na capoeira!... Mas estamos bem!

Saudações para a Rosana. 

 

Seu Frei Gabriel

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BANANA-MAÇÃ

por feldades, em 03.03.17

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Um ano atrás, ganhei de meu pai uma pequena plantinha, que embrulhei com muito jeito num jornal e pus dentro da mochila com cuidado para não a sufocar. Não há criatura mais vulnerável do que uma mudinha de banana, principalmente se ela está dentro de uma mochila e se essa mochila está com alguém displicente, que quer transportá-la por centenas de quilômetros.

 

Meu pai pegou essa muda onde existe uma rústica plantação de bananas-maçãs, ainda dos tempos de meu avô paterno. E o pequeno filhote chegou ao destino, ganhando como bercinho um vaso bem adubado. Então, entre mimos e regas, a primeira folha despontou minúscula, num desanimado verde-abacate. Depois, com outras folhas já num verde mais pronunciado, a menina foi se animando, refolhando-se e se vestindo, até ser necessária sua mudança para o solo, onde se emancipou. Seu novo lar foi numa encosta, próximo a um pé de manga-espada, que por aqui se diz manga-bourbon. A anfitriã mangueira, uma exuberante “pré-adolescente” que também veio das Gerais, agora tem para quem contar seus muitos causos mineiros.

 

O meu affair com as bananas é antigo e até já falei das casas dos caboclos de antanho, que tinham as bananeiras como providenciais banheiros. Mas essa minha “menina” tem uma única função: dar bananas e nada mais.

 

Na casa onde fui criado, não havia bananeiras. Meu pai diz que aquele solo arenoso não era apreciado por elas, que preferem terra massapê. Já na casa de minha avó materna havia bananas, que eram guardadas na despensa, dentro de uma arca – uma enorme caixa de madeira onde se armazenava arroz em casca. De vez em quando, minha avó tirava dali umas pencas madurinhas e as distribuía conosco. Que delícia!

 

Na despensa de meu avô paterno também tinha bananas. No chão, atrás da porta, encostado numa parede que tinha um prego para pendurar molhos de chaves, costumava aparecer um rotundo cacho de bananas-maçãs soberbamente orgulhoso de suas "bagas" verdes, e sem pressa de amadurecê-las.   Eu apenas observava. Em poucos dias, porém, uma mancha amarela partia de sua base, cobria toda a extensão e chegava ao topo: era hora de atacar. Ali, diferentemente da casa de minha avó, as bananas estavam sob domínio de minhas mãos. De vez em quando, precisando entrar naquela despensa para pegar as chaves, também pegava furtivamente umas bananas e as comia ali mesmo. Muitas vezes, deixava o recinto entalado, tentando disfarçar o malfeito. Eu pegava as bananas de trás do cacho na tentativa de ludibriar o meu avô, que não se importaria com isso. Mas a “cratera” ia aumentando rápido, de forma que comecei a desconfiar de alguma concorrência. Tinha lá o irmão mais velho, um irmão mais novo, uns primos. Vai saber... 

 

Mas a minha bananeira, antes pequenina e solitária, cresceu, teve filhas e netas e me deu, como prova de gratidão, um belo cacho de bananas, que comi sem pressa e sem culpa.  Neste Carnaval, comi muitas bananas-maçãs que eu mesmo cultivei. Elas tinham o mesmo cheiro e sabor das bananas que eu esgueirava de meu avô. Bananas com sabor de infância!

 

FILIPE

 

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