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“Buscai o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto”, disse Isaias, o mais poético dos profetas. De minha parte, ignorante nas Santas Escrituras e nas demais escrituras nem tão santas assim, tenho andado à procura do Senhor, mas não só. Procuro os amigos, próximos ou distantes. E vou desviando dos inimigos, alguns muito próximos.
Desta vez fui a Minas, que ainda teima em existir, e pude ver meus pais – já um pouco idosos, porém lúcidos e saudáveis. Revi colegas de infância e parte da irmandade – “apenas" seis dos onze que somos. Não alcancei dois amigos, que partiram antes de minha chegada. Mas revi uma amiga, que partiu logo após eu chegar e com quem troquei poucas palavras. Estava cansada, mas receptiva. Fizemos uma prece, talvez a última dela. Houve desses momentos de tristeza profunda, porque os amigos não são para sempre.
Senti falta do seu Jesus, um velho carapina a quem eu conhecia como Jeso. Da outra vez ele me contou pedaços de sua vida sofrida: treze filhos criados “no cabo da enxada”. A mais velha, adotiva. Ainda recém-casado, ele disse, aventurou-se em mudança para o Paraná. Vendera os poucos móveis, a colheita de milho e feijão e embarcara num trem com a esposa e dois filhos. Geara no Paraná e um deserto de gelo o aguardava. Mal chegara e já teria que retornar a Minas, nem se dando ao trabalho de descarregar o vagão com seus trastes. Teve que refazer a vida, comprar mantimentos, arrumar serviço etc. Eu queria ouvir mais o seu Jesus, que conhecia de longe, da estrada onde eu passava nos tempos de escola, e a quem temia dirigir a palavra por ser ele caladão, quase casmurro. Enganado, perdi a oportunidade de ouvir outras de suas muitas histórias.
Senti falta de seu Tonico, que ficara por anos prostrado numa cama hospitalar, recebendo cuidados da extremosa esposa. “Como vai, seu Tonico?” ”Bom eu não tô, mas tô pronto. Só esperando Deus me chamar”. E Deus chamou mesmo. Seu Tonico despediu-se do mundo, rezando, cantando louvores. Partiu devagarinho, suave, com a leveza de um santo.
Dona Crioula, ou Tarsila para os chegados, fizera ‘noventa e nove’ aninhos no último dia nove. Era sempre uma alegria encontrá-la. A sala-quarto em penumbra para não lhe ferir as retinas, e ela sempre deitadinha ali na sua cama, próxima à janela sempre fechada. “Eu estava sabendo que você vinha aqui. Estava esperando!” Ouvi dela essas palavras em janeiro último, que muito me envaideceram. Desta vez, falou menos. Queria descanso. Três dias depois fui ao seu velório.
Houve também momentos de descontração, de grande contentamento até. Mas não me faltaram escorregadas homéricas. A primeira delas: fui ao fogão com a empáfia de “mestre-cuca” e fiz um macarrão, que ninguém gostou e que virou piada “maldosa”. A segunda: meti-me à besta em discutir teologia com um irmão. Após me ouvir atento e em silêncio, desferiu-me umas duas ou três “botinadas”, conforme ele mesmo definiu a sua performance. Fui à ‘lona’ e deixei transparecer minha boçalidade nua e mal lavada. Mais piadas.
“Procurai enquanto se pode achar!”, bradou Isaias. “Tarde te amei, beleza infinita”, clamou Santo Agostinho, o poeta de Hipona. Portanto, não se deve adiar uma visita, um reencontro, um congraçamento, pois a tarde vem e não demora.
FILIPE
Muito já se estudou sobre a capacidade que o ser humano tem para dominar a si, a natureza, os recursos naturais... e o seu semelhante! A isso, convencionou-se nomear ‘inteligência’ e o homem se autodenominou um ‘animal inteligente’. Há pouco mais de trinta anos, porém, o americano Howard Gardner, pesquisador de Harvard, ficou famoso por propor a teoria das Inteligências Múltiplas. Segundo Gardner, não há apenas uma, mas nove inteligências. Pedagogos, esses mestres sem discípulos, amam referir-se as tais ‘inteligências’ como também amam citar Gardner em suas falações. É chique falar de assunto “top”, e muito mais chique é citar um autor “top” como aquele aclamado cognitivista, que se tornou guru dos pedagogos e oráculo dos cursos de pedagogia.
De minha parte, não tendo pisado em Harvard, não sendo pedagogo nem possuindo sequer uma das ‘nove inteligências’ enumeradas por Gardner, discordo desse premiado doutor. Atrevo-me a dizer que não há ‘inteligências múltiplas’, mas ‘habilidades múltiplas’. Essas habilidades até que poderiam ser numeradas de “1 a 9”. A desenvoltura no cálculo, na dança, na fala, na escrita, nos idiomas etc. não são ‘inteligências’, mas habilidades. Alguns sortudos têm várias delas – os tais “crânios”. Há, portanto, quem pareça dominar apenas uma dessas ‘habilidades’, mas com profundidade estonteante, e a estes chamamos de ‘gênios’.
Sem querer chocar o arredio leitor, ouso afirmar que nossas habilidades vêm do ‘instinto’ e não da ‘razão’. A capacidade de aprender não é exclusividade do homo sapiens, pois os animais costumam nos fazer inveja nesse quesito – com a palavra, o joão-de-barro. E tem mais. Tenho aqui uma modesta calculadora capaz de fazer, em menos de um segundo, cálculos que ninguém faria ao longo de uma vida. Pois é... na execução de tarefas, até as máquinas nos dão de “7 a1”!
Fui estudante por muitos anos, leciono desde o século passado e durante esse tempo, convivi com pessoas muito habilidosas, algumas geniais, mas poucas eu consideraria “muito inteligentes”. A habilidade de calcular e de memorizar pode trazer fama e até fortuna. Mas a reflexão, as indagações sobre os ‘quês e porquês’ da vida não suscitam olhares assim tão generosos.
Ao longo da vida, talvez eu tenha convivido com apenas duas pessoas de inteligência muito acima da média. Uma era comadre de meus pais: mulher montanhesa, analfabeta e pobre, que conheci já idosa. O outro era meu compadre: homem rural, de ‘muitos dias’, também analfabeto e pobre. Mais adiante, pretendo escrever algumas linhas sobre esses dois personagens.
Gardner talvez não saiba, mas com suas “nove habilidades”, consegue-se apenas dar algumas respostas às muitas aflições do cotidiano. Com inteligência, porém, é que se fazem as urgentes perguntas e os necessários questionamentos sobre a vida e seus mistérios.
FILIPE
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