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“Lula é sempre um risco para os plantonistas do Planalto. Daí as reiteradas condenações ao degredo, ao ostracismo, ao alijamento da cena política.”
Enviei a mensagem acima, sem esperança de que a Folha de S. Paulo a publicasse. Publicou. Na edição de sexta-feira passada, estava lá, no alto da página, abrindo a seção de correspondência do Painel do Leitor, seguida de outras três ou quatro mensagens com a mesma impressão: Lula é um injustiçado.
A cada condenação do ex-presidente, um engulho me toma de assalto. É certo que até há pouco tempo, eu o tinha por culpado. Mas com o desanuviar dessa paisagem macabra, passei a pensá-lo inocente. Então, para mim, Lula é inocente; criminosos são seus algozes. E essas sucessivas condenações são planejadas para afastá-lo para sempre do cenário político – assim acredito.
Desde que o juiz de Curitiba atropelou as instituições no afã de condenar Lula, conduzindo-o coercitivamente, varejando sua residência e humilhando a ele e a seus familiares, já estava claro que havia cálculo político. Mais tarde, esse magistrado deixa o cargo para ser ministro. Defensor da liberação de armas, ele se encontrou ‘privadamente’ com representante da Taurus para falar ‘amenidades’, é claro. E essa mesma Taurus – que vendeu milhares de pistolas com defeito para as polícias militares, e teve que recolhê-las porque muitas disparavam sozinhas – deverá encher as burras, armando a população.
A mesma pressa que aquele ex-juiz tinha para apurar, julgar e condenar petistas e afins não existe em casos mais assombrosos. O ‘Temerário’ (alguém se lembra dele?) saiu do Planalto na ‘maciota’ sem ser incomodado; um senador por SP tem na ‘cacunda’ a suspeita de desvios eleitorais de 23 milhões de reais, mas continua ‘de boa’; segundo a noticiosa UOL, a gatunagem nos últimos quatro anos em SP poderá ser responsável pelo desvio de 1,3 bilhão de reais do Rodoanel; somente no trecho norte dessa obra, o rombo é de 625 milhões, conforme denúncia protocolada no MP. E tem mais. Tem o ex-senador mineiro, aquele do ‘aeroporto’ e de “depois a gente mata”, com sua “Cidade Administrativa" em BH; tem o senador, filho do ‘bozo-bufão’; tem milicianos, foragidos, acobertados e... tem o Queiroz!
Mas o ancião Lula, com mais de setenta anos, tem que ficar trancado numa cela, porque solto Lula é sempre um “risco”. É, estamos nas trevas mesmo... Ô peste!
PS.: Aos poucos leitores – se me restam alguns (pelo menos um amigo, que foi leitor assíduo, me abandonou) – confesso que não me apetece escrever sobre política. Gosto mesmo é das reminiscências, dos recortes já desbotados de minha rica infância, vivida na pobreza. Mas era preciso falar de Lula.
FILIPE
Alto, corpulento e ostentando farto bigode preto, aquele primeiro-tenente do Exército deveria fazer tanto sucesso entre as mulheres, como talvez faça o Kim ‘pançudo’ da Coreia do Norte. Contudo, apesar de formado na conceituada academia das Agulhas Negras, nosso protagonista não tinha prestígio entre seus subordinados. Com sonoras gargalhadas, soldados e cabos mofavam da ignorância daquele oficial com tanto entusiasmo, que lhe deram por alcunha a enigmática sigla ‘CP’. De minha parte, confesso ser inocente nesse e em outros ‘crimes’ da farda, mas quando o assunto era “CP”, eu ficava sempre à espreita e me deliciava com as estórias envolvendo aquele homem.
Talvez o raro leitor não saiba, mas o contingente de um quartel é dividido em ‘castas’ – para desculpas da hierarquia. No topo, há os oficiais (tenentes, capitães etc.); depois os graduados (sargentos e subtenentes); por fim, a ralé (cabos e soldados). O cidadão civil, denominado ‘paisano’ no jargão militar, era sempre visto com desconfiança naquele meio. As maliciosas línguas sempre diziam que “paisano em quartel é mulher de soldado”.
Pelo menos no tempo em que servi, os oficiais dificilmente chamavam alguém da ‘casta inferior’ pelo nome. Era comum, no pavilhão superior do prédio, um oficial debruçar-se sobre a balaustrada à espera de um soldado de passagem pelo pátio. À primeira “vítima”, bradava: “Oooooô... Soldado!”. Muitas vezes eu ouvia e me fingia de surdo, escapando apressado dali. Saía da mira do cara e vazava para o alojamento, ou garagem, ou rancho, ou não-sei-pra-onde, fugindo de enfadonhas tarefas.
Certa vez, houve um temporal e o aguaceiro inundou várias repartições do quartel. O CP era um dos homens encarregados de avaliar o estrago e encaminhar soluções. Dirigiu-se a mim, sem citar meu nome, é claro, e me conduziu ao paiol – onde se guardam munições e explosivos. Estava tudo alagado, um caos. E aí, o CP cofiou o bigode, sem saber o que fazer, e lascou esta: “Essa chuva foi com ‘xis’ maiúsculo!”, disse em carregado ‘carioquês’. Essa foi apenas uma constatação que justificou a maledicência dando conta de que o CP não passara no exame de ingresso à academia, mas que o diretor da instituição arrumou um jeito para ele entrar, não se sabe como. Sabe-se, porém, que o diretor era um coronel, e que esse coronel, por coincidência, era o pai do CP. Só isso.
Tempos depois, o CP, já há muito desconfiado, interpelou alguém, querendo que lhe explicasse o significado de ‘CP’. Por sorte havia um cabo cujo nome salvou o soldado. “Tenente, ‘CP’ é o cabo Prudente. O senhor não sabia?”
Nem sei por que escrevi esta crônica. Ou sei: talvez seja porque temos na Presidência um contemporâneo e colega de academia do PC. Tudo a ver com o título.
FILIPE
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