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SOB FLECHAS

por feldades, em 21.12.19

Ao final de cada ano letivo tenho o mau costume de pedir aos alunos que avaliem meu trabalho. Pego uma folha sulfite e a divido em oito partes iguais, dando um pedaço de papel a cada aluno. Num lado, peço que escreva sobre este professor; no outro, sobre o próprio aluno. Sugiro que fiquem à vontade para espinafrar o professor, e que o façam anonimamente. Obedientes, pelo menos nesse momento, os alunos não perdem tempo. Após isso, peço a um deles que recolha os papeizinhos, que separo por classe de forma que eu fique sabendo o que pensa de mim determinada turma, mas não o aluno.

 

Para mim não é tarefa das mais prazerosas ler as impressões de meus alunos sobre meu trabalho, porque alguns deles, inclementes, dão-me impiedosas flechadas. Já aconteceu de tudo. Houve um tempo em que eu usava chicletes para mitigar minha ansiedade. E na avaliação, um deles escreveu: “Parece uma vaca velha mascando!” Velho, embora, já não me chamam mais de ‘vaca velha’, porque parei de usar chicletes. Também já criticaram minha letra, meu modo de falar etc., sem, contudo, me deixar aborrecido, porque essas observações são verdadeiras.

 

Neste ano, contudo, fiquei bastante chocado. Não havendo mais provas para corrigir nem lançamentos a serem efetuados, peguei os tais papeizinhos e fui para uma sala vazia. Separados os montinhos, comecei a lê-los, reservando para o final uma classe com a qual eu me dava bem. “Pelo menos eu sairei daqui animado”, pensei.

 

As críticas e eventuais elogios obedecem um padrão, não diferindo muito uma turma de outra. Ainda assim foi possível notar certa empatia de determinada classe contraposta ao desconforto de outra.

 

Finalmente, abri o último bloco. Devo ter ficado ruborizado ao ler o primeiro bilhete; o segundo também; o terceiro, o quarto... Por fim, fui me acostumando com o malho a que voluntariamente me submeti. Muitos desses alunos disseram que sou parcial no trato, preferindo a uns em detrimento de outros. Pior: que prefiro os mais inteligentes e desprezo os que têm dificuldade. Mentira!

 

Tenho o péssimo defeito de dar atenção apenas às pessoas com as quais me identifico e não costumo me aproximar daquelas cujas ideias não me agradam, e isso é fato. De algumas pessoas, confesso envergonhado, tenho uma quase repulsa. Mas confesso, agora sem estar envergonhado, que tenho lutado contra esse comportamento. Mas é difícil mudar isso. Ô luta inglória!

 

Também não me perturba a crítica quando a considero justa. Podem me tachar de feio, burro, ignorante, medíocre etc. Mas dizer que sou “puxa-saco dos inteligentes”!?... Não posso aceitar isso passivamente. Nunca bajulei gente inteligente, poderosa, influente, rica etc.  Isso nunca!

 

Portanto, deixo aqui este protesto, não pela necessidade de protestar, mas pela necessidade de cumprir minha agenda, atualizando este blog.

 

Desculpa qualquer coisa, raríssimo leitor!

 

FILIPE

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A AULA INTERROMPIDA

por feldades, em 07.12.19

Eu gostaria de escrever sobre algo pitoresco que acontece no meu jardim. No pé de mamona, que plantei recentemente e que já tem a altura da casa, um pombinho silvestre começou a fazer ninho, mas sua “esposa” não se animou com a gambiarra e ambos desistiram do projeto. Deixo para o final esse caso e vou cuidar de uma coisa chata, mas necessária.

 

Corria o mês de outubro. O Chile ardia conflagrado com multidões nas ruas. A polícia reprimia, atirava, matava. O povo não se intimidava e resistia. No Brasil sob chamas, ardiam as matas e seus guardiões. Em Brasília, as reformas avançavam sobre escassos direitos do povo, ficando este cada vez mais sem horizonte e sem lideranças – que foram presas, amordaçadas ou assassinadas.

 

Desacorçoado com o momento político que vivemos, entro na sala para mais uma aula. Nas mãos tenho um jornal, que deixo sobre a mesa. Pego um giz e vou à lousa. Paro, olho para os alunos, todos na faixa de 15 anos, e penso: “O que será desses jovens?...” E volto para mais uma lição de logaritmos, ou trigonometria, ou funções exponenciais, ou nada disso. Tudo ali perdia importância diante dos fatos recentes no país e no mundo, onde o fascismo avança tresloucadamente. Dirijo-me aos alunos.

 

“Olha, gente, o que acontece no Chile! Fiquem atentos, porque aqui no Brasil não será diferente. O Chile foi um grande laboratório para a equipe econômica desse governo. Por que os chilenos protestam, se a economia está indo bem e a inflação está sob controle? É porque isso não é suficiente se não há justa distribuição de renda. É como numa família, em que os pais trabalham muito, ganham dinheiro, enriquecem, mas deixam os filhos à míngua. Para que serve a riqueza de um país, se o povo é excluído? No Chile é assim. Os números socioeconômicos, se vistos de forma desatenta, são invejáveis. Mas 70% dos aposentados ganham menos de um salário mínimo, enquanto 1% da população detém 33% de toda a renda nacional. Se avançarmos mais para o topo da pirâmide social, encontramos 0,5% da população abocanhando 19,5% de toda a renda nacional.”

 

Empolgado com essa explanação, decidi avançar no campo ideológico, e disparei: ”Aprendam uma coisa: rico não gosta de pobre. Portanto, pobre que somos, não devemos votar em candidatos dos ricos. Nas eleições, deem uma olhada nas movimentações dos ricaços da cidade. Observem quem são seus candidatos e votem contra!” Nisso, uma aluna levantou a mão e disse: “(...)”. Não entendendo, tive a infelicidade de pedir que repetisse. “Fala... Qual a sua pergunta?” “A aula. O senhor se esqueceu da aula!”  “Ah, sim. Mas isso também é aula”, repliquei bastante desconcertado. “Aula de matemática, professor”, reafirmou. “Mas aqui tem matemática também”, tentei consertar e continuei: “Desculpe-me. Vamos retomar a aula. Onde é que paramos mesmo?...”

 

Encerrado o assunto acima, prefiro falar da natureza: das árvores e de seus pássaros –  enquanto existirem. Quanto ao ninho abandonado na minha mamoneira, seu projeto foi retomado e em breve estará pronto. Agora, por um sabiá.

 

FILIPE

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