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RODRIGO

por feldades, em 25.04.20

Conheci o Rodrigo no começo dos anos dois mil, acho que em 2002, se não estou enganado. Naquele ano ele foi meu aluno numa quinta série – ou numa sexta série, se não estou novamente enganado. A classe dele era barulhenta, como eram barulhentas as outras classes, como são barulhentas as pessoas. O mundo é barulhento. Mas havia alguns alunos bonzinhos, silenciosos, que amenizavam minha aflição. E o Rodrigo era um desses.

 

O Rodrigo tinha uma penca de irmãozinhos. Depois da aula, ele passava na creche, pegava seus maninhos e os levava para casa. Por mais de uma vez eu o vi com dois, três ou quatro deles, numa bonita cena. Bem de tardinha, lá estava o Rodrigo segurando a mão do menor, mochilas nas costas, subindo devagarinho a sua rua.

 

Eu nunca consegui usar agenda, mas naquele ano em que comecei a dar aulas para o Rodrigo, eu usava uma que trazia umas orientações passadas pelo sindicato dos professores. Na capa da agenda havia uma foto de um garoto de rua.  Era um menininho raquítico, trajando uma blusa larga de moletom, usava calção grande, descalço – literalmente o retrato da infância abandonada. Mas o Rodrigo não parecia com o menino da foto. Talvez se assemelhasse pela tez e o corpo esguio. Então, eu costumava mostrar a agenda ao Rodrigo e perguntava: “De quem é esta foto?” Ele olhava sorrindo e dizia: “Para, professor!” Eu parava, mas voltava a mostrar a foto noutra ocasião e ele sempre reagia dessa mesma forma bem-humorada.

 

Por um tempo eu não fui professor do Rodrigo, mas no último ano do ensino médio eu o reencontrei na sala de aula. Estava grande, forte, em nada lembrando o antigo e mirrado Diguinho, como era conhecido. No final daquele ano, quando se formaria, o Rodrigo chegou para mim e disse: “Professor, sabe aquele livrinho?...” “Que livrinho?!”  “Aquele que o senhor me mostrava, com uma foto na capa”. “Ah, uma agenda...” “Isso mesmo. O senhor ainda tem ela?” “Sim, eu tenho”.  “Você não quer me dar ela?...” “Claro que dou”. Dei a agenda para ele no dia seguinte. Todo alegre, ele me disse: “Esta eu vou guardar de lembrança”.

 

Tempos depois encontrei o Rodrigo na rua. Estava com a esposa e uma criança, que assumira como filho. Depois veio a paternidade biológica também e sua alegria se completou. Antes, trabalhava num mercado próximo de onde moro, depois mudou de emprego, parece que para melhor. Daí, não mais o vi. Tinha contato apenas com os irmãos, que foram todos meus alunos.

 

Esta semana, tive outra notícia deste meu ex-aluno. Rodrigo faleceu aos 29 anos. Não sei a causa, mas ouvi dizer que foi “morte natural”. Meu Deus, não pode haver morte natural na juventude!

 

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AS MEMÓRIAS DE MEU PAI

por feldades, em 11.04.20

Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. Essa frase é atribuída ao pensador irlandês Edmund Burke, que não conheço. Sei que ele foi um cara importante, porque vi na Wikipédia. Quem quiser saber mais sobre esse filósofo, não perca tempo, pois o Google não deixa ninguém mais na ignorância.

 

Mas a frase que abre este texto já me acompanha desde os amarelados tempos de adolescente. Certa vez a escrevi num papel-cartão e afixei na porta do quarto da pensão onde eu morava. Gostei daquela frase desde que a conheci e achei que a exibindo, eu poderia ofuscar minha ignorância, exalando certos vapores de intelectualidade.

 

Deixando de lado aquela famosa frase e seu (para mim) obscuro autor, quero falar de outra história: a que papai conta. Durante esta quarentena, que tem provocado muito bafafá entre as nossas desautorizadas autoridades, não estou sem trabalhar conforme dizem alguns linguarudos de Brasília. Estou trabalhando muito, porque estou digitando e editando as memórias de meu pai. Este é o terceiro livrinho que papai escreve, contando um pouco do que ele viveu e ouviu ao longo de uma vida de nove décadas.

 

Papai é uma usina de informações. Ele já me mandou vários manuscritos e continua mandando mensagens ou me ligando para fornecer mais matéria-prima para sua obra.  Eu me sinto um pedreiro que está fazendo uma casa. O velho vai me mandando o material: tijolos, cimento, pedra, areia, cal, ferragem, madeira e muito mais – tudo de primeiríssima qualidade. Eu terei que corresponder, edificando seu castelo, vendo onde devo encaixar tal pedra, como levantar tal parede, armar as estruturas de aço, ver o traço do concreto etc. Se o material é de excelente qualidade, a mão de obra parece meio capenga e poderá deixar um pouco a desejar. Mas sou esforçado.

 

Comigo está um bom trecho da vida do meu pai, dos pai dele, dos avós, dos bisavós, chegando ao trisavô do meu pai, que é um bisavô também. Este, um Adão solitário, sem a Eva, porque não se sabe o nome da trisavó do papai. Somando a idade de meu pai com as quatro gerações anteriores a ele, são uns 200 anos de história. E meu pai cita nomes e sobrenomes, formando uma infinita rede de ligações parentais.  De todos da geração de meu pai, apenas ele sabe contar essas coisas.

 

Neste livro, embora meu pai tenha tido um propósito mais generalista, ele se ateve ao meu avô. Dessa forma, o senhor Sebastião Lopes de Lima tornou-se protagonista desta coletânea. Fatos corriqueiros, mas de grande comicidade, são relatados no estilo leve, solto e quase descompromissado de meu pai. Mas toda a história narrada é veraz, sendo o meu velho uma valorosa fonte primária.

 

Diversamente do pensamento que abre este texto, eu não me sentiria condenado se tivesse que repetir a história de meu pai. Pois, para fechar com uma feliz expressão de Santo Agostinho, do papai eu tenho um “santo orgulho”.

 

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