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PÉROLA NEGRA

por feldades, em 31.07.20

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Hoje meus pais celebram as bonitas ‘’Bodas de Pérola Negra’’, quando são completados 65 anos de vida conjugal. Papai pensou que fossem “brilhantes” e eu arrisquei “nogueira’’. E falei para meu pai: “Se não forem ‘bodas de brilhantes’, vocês brilham do mesmo jeito”. Depois disso, consultei a WEB e dei a sentença: “Bodas de Platina!”. A partir daí, todo garboso de minha sabença, comecei a espalhar, dizendo ser de ‘platina’ as bodas de meus pais. Mas o Mano Véio abriu o dia de hoje, felicitando meus pais pelas “bodas de pérola negra”. Li aquilo e pensei: “Meu irmão está inventando...”. Fiquei quieto, e não convencido, fiz outra pesquisa. E não é que o Mano Véio tem razão?... Se não fosse ele, eu teria dado um título errado para esta crônica.

 

Meus pais, nessa longa trajetória de vida compartilhada, viveram momentos difíceis, de divergências e até de conflitos. Muitas vezes, a causa dessas dificuldades era de natureza financeira. Papai e mamãe, sempre muito pobres e adoentados, tinham que dar conta da família, que crescia exponencialmente: ano sim, ano não, um bebê no ninho! Foram 14 gestações e 13 nascimentos. Hoje somos 11 irmãos, porque houve um aborto e dois morreram na infância.

 

Com uma ‘penca’ de filhos para criar, a vida de meus pais não poderia ser assim tão florida mesmo. Mamãe tinha as demandas dela e papai é quem fazia as contas. E os filhos cresciam e teriam que ser alimentados e educados. O sistema era antigo e não sei se precisa explicar aqui, mas em casa, a peraltice era corrigida à base de ‘beliscão’ (da mamãe) e de currião (o cinto do papai). Bom, eu não recomendo isso, mas parece que funcionou para nós, porque meus irmãos são todos muito bem-educados. De minha parte, se não sou uma figura tão simpática e polida, a culpa não é dos meus pais, mas exclusivamente minha.

 

Certa vez, uma pessoa muito querida teve a infelicidade de me dizer isto: “Seu pai não tinha dó da sua mãe... Ela é doente e ele teve com ela esse montão de filhos!” Antes de responder, pensei: “Alguém está sobrando lá em casa... Será que sou eu quem não deveria ter nascido?!...”. Mas mudei a linha de defesa e disse à “desafortunada” mulher: “Então a senhora acha que minha mãe tem filhos demais, né?! Mas está muito enganada na sua avaliação, pois eu gostaria de que todas as mulheres do mundo fossem tão felizes como a minha mãe é feliz!”

 

Penso que o amor esponsal, aquele que une o casal, deve ser, antes de tudo, um amor fraterno. E é mais ou menos assim que vejo meus pais ao longo dos anos: ele sempre ‘quase paternal’ para com minha mãe, enquanto ela sempre lhe devotando um ‘amor quase filial’. Em síntese, se o amor é fraterno, o casamento pode ser eterno.

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FILIPE

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O CARAPINA

por feldades, em 18.07.20

Eu estava preparando um almoço no fogão a lenha, queimando uns restos de madeira usada na obra, e pensava estar ecologicamente correto. Mandei uma foto para o grupo de WhatsApp da família e recebi uma admoestação: “Queimando madeira boa... Com essas tábuas daria para fazer um pinteirinho ou outra coisa qualquer”. Aquela frase me deu uma baita fisgada na espinha, mas tentei consertar: “São sobras da obra e essas madeiras são pínus, que iriam apodrecer”. A minha resposta não convenceu nem a mim nem a ele, eu acho, embora o bom mano tenha se recolhido da observação.

 

Depois disso, quando ia pegar ‘lenha’, comecei a separar umas tábuas. Olhava uma, olhava outra, antes de decidir qual delas seria “condenada às chamas” do meu fogão. E assim, umas foram escapando e ficando empilhadas à parte. E, precisado que eu estava de uma mesinha para pôr na varanda, decidi improvisar. Peguei aquelas tabuinhas, arranquei os pregos, limpei-as dos restos de concreto e comecei meu labor de carpinteiro amador. Serrote, martelo, um pedaço de piso cerâmico como esquadro e uma furadeira resolveram todos os meus problemas.

 

Enquanto eu riscava, cortava, pregava e ia montando a mesinha, pensava no meu velho pai que a vida toda sonhou ter uma ‘caixa de ferramentas’. Papai trabalhava como carpinteiro, fazendo engradamento de telhado em toda a redondeza, mas as suas ferramentas eram precárias – hoje eu sei disso.  Ele tinha um serrote do cabo vermelho, que eu usava furtivamente para cortar tudo que encontrava pela frente. Todas as vezes que papai não encontrava uma ferramenta, ou a achava avariada pelo mau uso de um curioso, ficava muito bravo e com razão.

 

Papai tinha um caixote onde guardava, além do serrote, formões, enxó, martelo, torquês, plaina, colher de pedreiro, prumo e um arco de pua. Mas esse arco de pua era uma coisa muito interessante, que só papai conseguia usar. Gostava de observá-lo pôr a verruma no arco e apoiar no peito uma rodela que girava. Depois, com movimentos circulares, a verruma penetrava a madeira extraindo tiras espiraladas e fazendo um furo. Menino ainda, eu não conseguia a proeza de usar o arco de pua, embora tentasse.

 

Enquanto eu fazia a minha mesa, ia pensando sobre as dificuldades de meu pai. Ele sempre trazia consigo algum ferimento pelo uso das ferramentas. Como seu rombudo martelo que, teimoso, quase sempre esquivava do prego e lhe acertava o dedo. Houve algo mais sério também com meu pai, como um acidente com o arco de pua. Papai trabalhava na casa de uma de suas irmãs e a verruma pegou seu joelho, deixando-o paralisado por um tempo. Felizmente, horas depois, ele recuperou o movimento da perna e conseguiu caminhar até a casa.

 

Feita a minha mesa, eis que no dia seguinte recebo um vídeo de uma sobrinha com o meu pai trabalhando como carpinteiro. Com um esquadro e lápis ele riscava em meia-esquadria uma guarnição e depois serrava e pregava e conferia e via que tudo estava certo conforme planejara.

 

Por alguns segundos e cheio de júbilo, pude ver na tela de meu computador o velho carapina em ação!

 

FILIPE

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MARIA EUGENIA

por feldades, em 10.07.20

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A Maria chegou! Mas que moça corajosa!...

 

Maria, você é muito bem-vinda, mas não pense que terá vida tranquila aqui, porque nós bagunçamos seu planeta. Fizemos as nascentes secar, a temperatura subir, as geleiras derreter. Também erodimos o solo, queimamos as matas e acabamos com tudo, Maria. Que vergonha eu sinto de você, menina!

 

É, Maria, pelo que se vê, a situação não está muito boa para quem chega desprevenido – eu diria que está é péssima. A casa está mesmo muito bagunçada. Há coisas fora do lugar, coisas sobrando e coisas faltando. O nosso jardim, Maria, está sem flores e a nossa horta, 'farta' de agrotóxicos e 'falta' de verduras. Os bichos, Maria, estão sendo extintos e quase não se veem mais abelhas por aqui. Mas os gafanhotos estão chegando... Sim, há gafanhotos e há diversas “etnias” de mosquitos – alguns até com “pedigree”, como o Aedes Aegypti. Aqui tem ‘Covid’, tem ‘corona’ e tem muita tristeza, Maria. A coisa tá feia mesmo!

 

Perdoe-nos, porque fomos egoístas, predatórios e não pensamos em você nem nas novas gerações. Usamos adornos de ouro, de pedras, de pérolas e de marfim. Tudo isso vem da natureza, cada vez mais humilhada e mutilada pela nossa cobiça. Você não vai usar joias, né Maria?... Prometa que não, porque ninguém precisa usar joias.

 

Maria, somos 210 milhões aqui no Brasil, alguns muito ricos, outros remediados, mas cerca de dez milhões de brasileiros vivem com menos dez reais por dia. E agora estamos sofrendo com uma pandemia, que mata mais de mil pessoas diariamente. Os mais pobres são os que mais sofrem e o Estado foi obrigado a dar um auxílio emergencial a eles. Mas a terça parte da elite resolveu furar a fila, solicitando esse auxílio também, e não é que a maioria conseguiu?!  Estamos encurralados, Maria.  E ainda tem a violência urbana, mas deixa isso pra lá.

 

Mas preciso falar dos indígenas, Maria, um povo que habita as matas e que está sendo exterminado por bala, fogo, mercúrio, motosserra e pelos correntões. “Correntão”, Maria, é algo abominável nas florestas e poucos sabem o que é isso. Agora os nativos sofrem com a pestilência também, morrendo como moscas, sem qualquer assistência.

 

A política, Maria, tá uma tristeza danada, mas não vou falar dela aqui. No futuro você vai saber pelos livros de história. Se houver livros, se houver história e se houver futuro.

 

Pode não parecer, Maria Eugenia, mas hoje estou muito feliz porque você chegou. Feliz e preocupado.

 

FILIPE                                 (Monte Alegre do Sul, 09/07/2020)

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MUDANÇA DE ASSUNTO

por feldades, em 04.07.20

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“Somos descendentes de débeis mentais e essa é a minha preocupação. Por isso, peço a vocês para não ficarem falando de uma coisa só.”

 

Esse é o papai dando bronca em alguns de seus filhos num grupo de WhatsApp. Não sei o que houve, mas conheço bem o meu velho e já estou lhe dando a merecida razão. As estatísticas dizem que cerca de dez por cento da humanidade possui algum transtorno mental e, como lá em casa somos onze irmãos e eu não consigo ver nenhum tantã, esse número e a genética parecem apontar um dedo comprido para mim.

 

Então, seguindo o conselho de meu pai, eu estou mudando de ares, porque em postagens recentes fui monotemático. Desta vez não falar de escola nem dos pedagogos nem de política. Se bem que me dá uma coceira danada, porque hoje foi maçante. Mas vou falar de uma coisa mais prazerosa, vou falar do meu cãozinho Tokinho.

 

Todas os dias enquanto estudo, digito, elaboro atividades, gravo, ouço música, leio... o Tokinho me acompanha silente em seu bercinho redondo. Aqui neste cantinho, mais dele do que meu, ficamos horas e horas, cada um no seu mundinho. O mundo dele deve ser mais agradável do que o meu, porque ele não está preocupado com o coronavírus, nem com o Bozo e muito menos com aqueles 30 por cento do ‘capiroto’.  O Tokinho apenas quer um pouco de ração, água e atenção. Não, ele quer mais: quer dar umas voltas comigo por aí. Mas não está dando para sair à rua e eu já falei com ele algumas vezes, expliquei que tem uma pandemia nos perseguindo, que estamos em quarentena. Mas ele não entende ou finge não entender. No entanto, aceita.

 

De madrugada, quando me levanto e vou ao quintal para fazer alguns exercícios físicos, mentais e espirituais, o tokinho fica à espreita. Às vezes ele não me percebe e passa um tempo emburrado. Mas quase sempre ele sai de sua bacia e soca a porta para eu abrir. Ah, esqueci de falar: o Tokinho dorme trancado; ele e seus companheiros Pituka e Tiziu. Não posso deixá-los soltos à noite, porque a consciência ecológica deles é zero. Explico.

 

Eu costumo receber umas visitas insólitas. Outro dia houve um rufar ao longe, que foi se aproximando, aproximando, até que uma família de jacus parou a poucos metros de  minha janela. As mandíbulas do Tokinho poderiam alcançá-los caso ele estivesse lá fora. Já ontem vieram me ver dois saguis, parecendo ser mãe e filho. E tenho por perto também joões-de-barro, bem-te-vis, sabiás, rolinhas grandes, médias e pequenas e outros pássaros que não sei nomear. Enfim, há uma infinidade de seres, alados ou não, que passam ou vivem aqui e eu tenho que lhes garantir segurança, paz e a vida.

 

Aí, meu pai, a bronca não foi para mim, mas achei por bem assimilá-la. Está certo que esta crônica é meio fraquinha, mas ela não vai deixar insone o leitor que chegou até aqui.

 

FILIPE

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