Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


MARIANA

por feldades, em 20.11.21

WhatsApp Image 2021-11-19 at 19.09.58.jpeg

Você acaba de completar trinta anos! Ainda ontem uma “pirralhinha”; hoje uma sóbria senhora, porque tem a ‘idade da razão’, é esposa, é mãe.

 

Lembro com carinho das mamadeiras no meio da noite, nas madrugadas, nas manhãs e nas tardes – todas feitas de leite com Ovomaltine. Tempos depois, veio a ‘papa-papinha’ de mandioquinha; de sobremesa, Yakult ou Danoninho, mas que você queria como antepasto.

 

Lembro com saudade das manhãs preguiçosas, assistindo ao Castelo Rá-Tim-Bum na Cultura, e das tardes sonolentas, vendo Chaves no SBT, e dos fins de semana com as "fitas-cassete" da Disney, que eu pegava para você na locadora do bairro. Em tardes de sábado, costumávamos ir de trem a Santo André. As suburbanas vagas humanas comprimidas nos vagões tal qual um “formigueiro” conforme você denominava e com ele se irritava. A missa na Catedral, uma parada na banca de jornais e um passeio na livraria do shopping. Você querendo um livrinho infantil e o insensato pai dando-lhe um dicionário!

 

Recordo-me de quando eu voltava da escola, noite alta e fria -- e você, pés descalços, me esperando ansiosa para tomar o chá que eu sempre trazia num copinho de plástico. Saía com o copo cheio, mas o bamboleio da caminhada fazia que derramasse uma parte na rua; ao abrir o portão, outro tanto ficava na calçada; depois teria que desviar dos afagos das cadelas Madona e Dolly, fazendo com que apenas metade chegasse até você. Dois ou três goles de chá morno já a deixavam agradecida, realizada e completa para dormir. Dali, você escalava o berço e se amoitava numa cabana de cobertores idealizada por mim para que não se resfriasse.

 

Havia também as consultas e as seções de inalação no postinho. Você chorava, não queria, brigava com o inalador, mas parece que o choro fazia parte da terapêutica.

 

Ah, e tinha também a creche! Eu a levava todas as manhãs, a pé, mas você queria colo. Chegando lá, você não queria entrar, mas o ‘tio Paulo’, bondoso porteiro, a convencia e você cedia. Enfim, você entrava e era recebida pela ‘tia Hélia’, a quem você detestava, não sei por quê. Certo dia, ligaram, dizendo que você estava doente e fui lá para pegá-la. Foi a única vez que entrei naquele prédio, de ambiente estranho, sem brinquedos nem paredes enfeitadas. Num cômodo havia uns colchonetes e sobre um deles estava você. Eu não disse nada, mas naquele dia compreendi as razões de seu enfado.

 

À tardinha, quando ia buscá-la, eu levava uma balinha Babalu e o Pitoko que, embora de pelúcia, tinha personalidade. Genioso, o bichinho nem sempre queria papo, mas de vez em quando fazia graça também. De dentro de meu casaco, ele deixava escapar uma patinha, que você via e dizia: “Acho que estou vendo alguém aí...” Então havia um teatrinho. Eu corria com o Pitoko, dizendo que ele não queria sair do quentinho do bolso. Mas você não desistia. Corria, já um pouco brava, até arrancá-lo de mim. Aí você o acarinhava, dizendo: “Você não gosta mais da mamãe, é?... Não sente saudades de mim?! Estou chateada com você!” E, com esses afagos, você reconquistava o Pitokinho. Caminhando mais um pouco, passávamos a uns cem metros de uma sorveteria. Você olhava para lá e dizia: “Soverte, soverte, pai. Quero soverte!” Eu fingia não entender, mas você insistia. Houve vezes em que passamos lá para gelar o gogó. Mas eu dizia sempre que picolé dá dor de garganta, resfria, dá gripe... embora isso nunca a convencesse, nem a mim.

 

Obrigado, Mariana, pelo ensejo. Agora é sua vez de viver essa doce saga com a Maria Eugênia.

 

FILIPE

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

O PEDREIRINHO

por feldades, em 06.11.21

Ele acaba de completar ‘cinquenta anos’! Ainda ontem esse mano era um rapazinho franzino, que furava buracos, amarrava ferragens, levantava muros e paredes, armava laje, cimentava, rebocava e azulejava. Com apenas dezoito anos ele ergueu a minha casa!

 

Olha, que tempos foram aqueles!... Era finalzinho dos anos oitenta e começo dos noventa. A inflação roía nossas economias, tornando difícil um planejamento. Mas, com o mano ao meu lado, fui em frente. Trabalhando quase sempre sozinho, ele fazia a argamassa, punha na lata e subia no andaime onde despejava a massa no caixote. Depois descia, ajeitava a masseira e retornava ao andaime com a colher de pedreiro, prumo e nível. E assim, as paredes de alvenaria foram erguidas, colunas concretadas, laje batida, telhado posto.

 

Por tempos, levantando muito cedo, ele atravessava parte da cidade, percorria alguns quilômetros, até chegar à obra. A comida era bem precária: arroz, feijão, carne cozida e talvez uma salada, ou nem isso. O cardápio, que eu mesmo preparava, não variava nunca. Mas ele talvez não saiba que a minha comida era ainda mais pobre. A carne eu reservava a ele, enquanto eu me virava com um ovo cozido.

 

O interessante é que ele nunca pediu aumento no ordenado. Combinamos um valor no começo da obra e depois as coisas foram se ajustando. Certa vez eu lhe propus pagar o valor de ‘dois sacos de cimento’ como diária. Ele se animou, dizendo que “o Chimba sempre falou que o pedreiro deve ganhar ‘dois sacos de cimento’, e que o servente pode ganhar ‘um saco’”. Fiquei contente, porque não foi preciso mais fazer muitas contas. Bastava contar os dias de trabalho e ver o preço do saco de cimento que eu pegava lá no Zé da Roleta. Então, quando eu ia acertar, ele ia nos seus guardados e pegava um pedaço de papel onde estava sua contabilidade. Nesse papel, que não por acaso era de saco de cimento, ele apontava os dias trabalhados e eu pagava.

 

É importante explicar uma coisa. Naquele tempo, a Votorantim monopolizava a produção de cimento e punha o preço que lhe conviesse, chegando a sonegar o produto para encarecê-lo. Mas isso mudou depois que o presidente Itamar Franco importou cimento da Grécia, fazendo o preço cair. Hoje, ainda que o cimento seja caro, o preço não se compara ao que já fora.

 

Mas o mano não perdia tempo mesmo. Trabalhava o dia todo e à noite ainda ia para a escola estudar aquilo que era conhecido como ‘primeiro grau’; concluído esse, fez o segundo grau. Lembro dele naquela escola, onde eu também lecionei. Nesse tempo, sua vida tinha melhorado, porque já estava trabalhando na indústria. Ele chegava timidamente e se dirigia a um professor para pegar a ficha de estudos. Não sei se por coincidência ou sorte dele, mas eu nunca o atendi.

 

Econômico, quase não gastava o que ganhava. Na minha memória ficou uma domingueira calça jeans que ele sempre usava. Nela tinha um desenho de um vampiro e a palavra “Vamp” alusivo a uma novela. Acho que ele tinha outras calças, mas só me lembro dele com essa.

 

Hoje o "pedreirinho" já não tem dessas preocupações. Estabilizado, oferece sem medir esforços todo conforto à sua família composta de esposa e três filhos – o mais velho, um futuro economista.

 

O que mais me impressiona nesse mano, de poucas palavras e humor cáustico, é sua sabedoria. Dentre os onze irmãos, talvez ele seja a voz mais sensata, ponderada e esperada quando surge algum impasse entre nós.

 

FILIPE

Autoria e outros dados (tags, etc)


Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.


Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D