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Foi neste dezembro, numa manhã molhada e de sol forte, quando peguei um enxadão e a mudinha de jaqueira, que há meses esperava por isso. Subi uma íngreme ladeira, aqui perto, e cheguei ao topo do morro. Ali tem várias casas sendo construídas, algumas quase prontas e já com moradores. Nas franjas do loteamento, há áreas destinadas a arborização. Na verdade, são pequenos espaços meio despencados e de difícil acesso, que não são adequados para construção de casas. Caminhando por lá, encontrei um bom lugar para plantar a minha jaqueira.
Com aquele enxadão, limpei a área, cortei a braquiária e cavouquei o solo barrento. Na orelha, o fone de ouvido tocava um podcast. Preciso dizer que ouço vários podcasts todos os dias. Antigamente, gostava muito de rádio; hoje ouço apenas alguns programas de uma rádio paulistana, que toca MPB, e só. Durante minha labuta com o enxadão, eu ouvia um episódio sobre o lendário ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica. Aquele homem é um exemplo para todos nós. Quem não o conhece, procure se informar. Mas o assunto aqui é a jaqueira e a ela retorno.
Participo de um grupo de oração no bairro e costumamos nos reunir mensalmente para as preces. Não é segredo que não aprecio reuniões. Três ‘humanos’ numa sala, a depender de quem ali esteja, já é uma multidão para mim. Não são muitas as pessoas com as quais eu me sinto bem conversando em tempo mais esticado. Normalmente, alguns minutos de conversa já são suficientes para que eu saia “à francesa”. Há exceções, é claro, embora bastante raras.
Eu estava falando sobre o ’grupo de oração’ e me perdi. Pois volto a ele. Esse grupo já existe há um bom tempo e fui convidado a integrá-lo. Acontece que sou um mau devoto, de fé rasa e gosto de fazer minhas preces solitariamente. No entanto, parece que Jesus mandou que seus seguidores se reunissem para rezar, dizendo que, "se dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei com eles”. Não sei se foi exatamente isso que o Mestre disse, mas é assim que entendi, de forma que aceitei participar daquele grupo.
E eis que houve uma novena de Natal. No último dia dessa novena, o livrinho de preces trouxe a sugestão para que fosse plantada uma árvore. Alguém sugeriu um limoeiro, dizendo que limão está caro; outro quis plantar maracujá, que também está caro. Não entrei na questão do preço do limão nem na “frondosa árvore” que seria um pé de maracujá, mas propus que plantássemos uma jaqueira. Eu disse que tinha a muda e eu mesmo a plantaria. Alguém observou que ‘quem planta jaqueira não vai viver para colher a jaca’. Respondi que estou colhendo frutos de uma jaqueira que eu mesmo plantei. Mas eu não disse que desta vez as coisas talvez sejam um pouquinho diferentes: estou velho e a jaqueira não tem pressa de crescer nem de frutificar.
Ah, e o José Mujica?... Vou falar dele, mas só um pouquinho. O Velho Pepe não perdeu a fé na vida. Doente, morando como sempre na sua pequena e pobre choupana com telhado de zinco, cuida como pode de suas plantas e de sua esposa. Segundo ele, a vida é bonita e breve; e o sentido da vida está na luta pelo amor, não no ódio. A vida, conforme poeticamente diz, brota do silêncio de um mineral; depois acaba e tudo volta ao silêncio original daquele mesmo mineral.
Diferentemente do intrépido Mujica, que voltará corajosamente para a existência fria de um mineral, eu gostaria de ser eternizado na beleza verde e frágil de uma árvore. Talvez a minha jaqueira.
FILIPE
Espero que o raro leitor não se aborreça com esta crônica, mas estou maravilhado com a prisão de um ‘quatro estrelas’. Ao contrário do que se diz, esta não é a primeira vez que um militar com essa patente é preso. A história registra casos, como Hermes da Fonseca e Teixeira Lott. Na verdade, Henrique Teixeira Lott era um marechal que foi injustamente preso em 1961. Legalista, Lott tentava garantir a posse de João Goulart, devido à renúncia de Jânio Quadros, quando foi preso pelos seus colegas militares – os mesmos “gorilas” que três anos depois assaltaram a Presidência e nela se instalaram por intermináveis vinte e um anos.
A novidade aqui é bastante alentadora, porque esta é a primeira vez que um militar no topo da carreira é preso por autoridades civis, e por motivos justíssimos. Nos demais casos, eram obscuras as prisões de oficiais e quase sempre feitas pela milicada. Todavia, como sinal dos tempos ou prenúncio civilizatório, militares têm sido conduzido às grades por civis e por justas razões.
A prisão do general ocorrida ontem foi emblemática, porque esse homem poderá ter sido o mais poderoso militar na história recente do país. Antes de ser ministro, ele teve poderes imperiais no Rio de Janeiro como interventor na Secretaria de Segurança Pública. Depois, já no governo do “imbrochável”, como ministro da Defesa, fez história numa reunião com os comandantes das três forças, que estavam de saída. Histérico, o ministro bufou tão ferozmente com os três generais, que fez os provectos senhores tremerem como “coelhinhos” diante de uma besta-fera.
Não, raro e caro leitor, não me repreenda por tamanho gozo diante dessa que seria a mais esperada das prisões. Muito se diz que oficial preso em quartel não é apenado, mas hóspede. Ali ele teria de graça o melhor dos mundos: da mesa farta ao leito aconchegante; do banho quente à sala-de-estar com ar-condicionado. Que seja. Acho melhor assim e explico por quê.
Imagine esta cena. Um general chega ao quartel para uma visita e a sua presença é anunciada por um clarim. Em seguida, o estado-maior, que é composto pelos oficiais mais antigos da unidade, vai ao encontro do general e o acompanha até o pátio interno, onde está toda a soldadesca perfilada. Nesta hora, a banda militar começa rufando os tambores e segue com um hino. Após isso, o empertigado general empina o corpo, estufa o peito, faz cara de bravo e, acompanhado pelo comandante da unidade, passa em revista à tropa. Durante a passagem, o silêncio é quase absoluto e nada se ouve além da respiração do colega ao lado. Enfim, terminada a inspeção, aquele “César da Roma Antiga” volta ao palco e dirige algumas palavras de patriotismo afetado ao batalhão. Encerrada a cerimônia, o cortejo segue para o refeitório enquanto os soldados para as oficinas e que tais.
Corta para hoje. Nesse mesmo quartel o mesmo general chega, agora disfarçado com óculos escuros e escondido numa viatura com cortinas fechadas. Os soldados são providencialmente deslocados para as “oficinas e que tais” a fim de preservar o anonimato do novo hóspede, que é conduzido ao mais recôndito dos aposentos daquele prédio.
Isso não é ótimo?... Pois eu acho.
FILIPE
Todos os dias, ao abrir o noticiário no notebook, tropeço nas ‘novas’ do golpe. Sinceramente, sempre que posso, evito lê-las. Isso porque uma tristeza profunda me abate, e, como disse o Poetinha, “é melhor ser alegre do que triste”. Não, não quero tristeza, mas a alegria possível.
No entanto, como ser alegre diante do grotesco?... Aqui não vou citar um nome sequer, não por precaução, mas por uma questão de higiene mesmo. Preciso estar atento à necessária assepsia do corpo, da alma e também das palavras.
Generais liderados por um (pasmem!) capitão planejaram jogar o país numa lama de sangue, e isso só não aconteceu porque a maldade exige, além da covardia, um pouco de inteligência. O primeiro requisito é abundante; o segundo escasseia.
Agora, após a descoberta da trama, o que fazer com os trastes? A constituição prevê pena de morte para desertores em caso de guerra. É importante ressaltar que numa guerra a ‘pena capital’ não alcançaria oficiais das armas, mas civis ou soldadinhos. Caso um cidadão não se apresente ou debande, tal pena seria imposta a ele por um tribunal militar composto por... oficiais-generais! Isso é fato.
E para militares golpistas que podem a qualquer momento fazer o país mergulhar numa “guerra civil”? Aqui pus aspas porque, numa guerra, o pressuposto é que haja dois lados armados em conflito. No nosso caso, as armas estão de um lado só – com os extremistas; no outro lado estão os trabalhadores. Seria então um massacre perpetrado por desalmados contra desarmados. Uma carnificina. A história é repleta de fatos assim: o exército e demais forças policiais esmagam movimentos sociais numa batalha desigual. Algo semelhante à Intifada, quando palestinos ousam resistir com pedras às metralhadoras dos soldados israelenses. Por acaso isso é guerra?!
Agora quero deixar a minha sugestão para quem comete crime militar, mas me atenho àqueles que colocam em risco a democracia. Que todos esses vermes amotinados sejam destituídos de seus cargos, que sejam expulsos da corporação, que tenham seus bens expropriados e que sejam condenados a viver com ‘um salário mínimo’. Sim, um salário mínimo e nada mais do que isso.
A pena é cruel? Claro que não. Segundo dados do IBGE, 60% dos brasileiros vivem com ‘até um salário mínimo por mês’. Até! Isso significa que uma parcela vive com menos ou com nada. Eu mesmo, nos meus “verdes anos”, tive que me virar com um salário mínimo, que naquele tempo era bem inferior ao atual. E olha que não cometi crime algum. Nunca atentei contra a vida nem a dignidade das pessoas, muito menos conspirei contra os poderes constituídos.
Ah, como gostaria de que todos os criminosos, militares ou não, fossem condenados à “pena perpétua” de viver com apenas um salário mínimo!...
PS: A ilustração que abre a crônica foi ‘furtada’ da coluna do Antônio Prata. Espero que eu não seja condenado por esse ‘crime’.
FILIPE
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