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Estimado Dom Felipe, paz e bem!
Diria minha saudosa mãe: “Quer ensinar padre-nosso ao vigário, menino?” Não, não quero e não devo, mas gostaria de fazer uma pequena observação. Aliás, nem é observação, mas um lamento. Também não é apenas um lamento, mas uma profusão de choramingos. A eles.
Lamento que o senhor não faça qualquer menção à Campanha da Fraternidade deste ano, tão rica e necessária. A atual CF contempla a ‘ecologia’, que é um assunto urgente. O planeta, que é a nossa ‘Casa Comum’, agoniza numa crise climática sem precedentes e não podemos ficar omissos. A Igreja se move; nós devemos segui-la.
Lamento também que o senhor não se manifeste sobre este ‘Ano Jubilar’ instituído pelo Papa Francisco em cumprimento ao calendário da nossa Igreja. Este é o ‘Ano Santo’ da ‘Santa Madre’, que jamais poderia ser ignorado!
Espero que neste ano o senhor promova a ‘Coleta da Solidariedade’, distribuindo os envelopes aos fiéis, para que possamos colaborar materialmente com a Igreja em suas missões mundo afora. O nosso sertão semiárido e os rincões da África clamam por esse apoio!
Essas observações eu as faço e o senhor sabe por quê. Porque no ano passado a Campanha da Fraternidade não foi contemplada; no ano passado, o ‘Óbolo de São Pedro’ não foi recomendado aos fiéis; o ano passado foi sinodal, e não houve sequer uma palavrinha sobre o Sínodo nas suas homilias.
Resumindo: o ‘Ano Sinodal’ foi esquecido, o ‘Ano Jubilar’ está sendo ignorado, a ‘Campanha da Fraternidade’ continua abandonada... Mas a nossa igreja não é una?... Pois então devemos estar em sintonia com a CNBB e viver em unidade com o Papa Francisco!
Recentemente o senhor proferiu uma bonita frase na homilia sobre a Transfiguração, que foi exatamente assim: “Devemos ser transfigurados sempre, mesmo nas situações mais difíceis, que são momentos de provação. Precisamos ser amigos da cruz de Cristo, e jamais inimigos dela!”
Então, caro pastor, como estamos vivendo momentos difíceis e de provação, não seria urgente abraçar o Santo Madeiro? E abraçá-lo é abrir os braços para todos: para ‘quem pensa diferente’, para ‘quem é diferente’ e para ‘quem é indiferente’ também. Porque somente assim poderemos alcançar a tão necessária e sonhada paz.
Agradeço sua atenção, Dom Felipe, e deixo aqui o meu contato, pondo-me à disposição para uma conversa franca e fraterna, se assim o senhor desejar.
Por fim, peço que aceite o meu abraço e me dê a sua bênção.
NOTA: “Dom Felipe” é fictício. Não a mensagem, que foi respondida com a velocidade e violência de um raio.
FILIPE
Essa é a Maneka, a cachorrinha mais fofa de que se tem notícia. Enquanto eu digito, ela está aqui ao meu lado, dormitando no seu “trono”. Tiziu, Pitoko e Pituka também estão por aqui, cada um na sua caminha, que é um pequeno estrado de madeira que fiz pra eles.
Se você está achando banal esta crônica, acertou. É banalíssima! E quero que seja uma coisa bem boboca mesmo, porque assunto “bom e sério” não falta, mas não quero tratar de "coisas boas" nem "sérias". Eu poderia discorrer sobre algo em voga como certo “religioso” midiático, que tem o gozo de convocar velhas senhoras às quatro da madrugada para rezar, como se o sono reparador fosse pecaminoso; ou do velho ‘Trump’ que tem comichão de subjugar o mundo, mas recuou diante dos intrépidos chineses que o chamaram para a briga. Tem também um ‘ex-ministro assediador’ e mais gente desimportante, mas não vou me agastar com essa caterva e me atenho à Manekinha.
Essa menina atrevida tomou a minha cadeira e nela se aninhou. Depois, não contente, começou a destruir aquilo que foi minha cadeira e agora é seu berço. Embora contrafeito, decidi dar uma ajeitada nessa coisa, fixando nela um pano, que não é um pano qualquer, mas uma camisa que usei por alguns anos. Essa camisa frequentou salas de aula, sabia? Agora, aposentada, serve de lençol para essa menininha que nunca frequentou uma escola, né mesmo, Maneka?
Gosto da Maneka, mas ela já me deu muito trabalho. Sapeca, logo nos primeiros dias a danada pegou e comeu o pinto do vizinho. Não sei se o vizinho deu falta do penoso, mas como ele nunca me falou nada, deixei pra lá.
Noutra vez foi um filhote de pombinha silvestre. Eu, prevendo o que aconteceria, fechei o portão, trancando-os para que não descessem ao quintal, porque lá estava o “menininho” ensaiando seus primeiros passos (ou melhor, voos). Parece que o “garotinho” se animou e resolveu dar um rolê, invadindo “terras estrangeiras”, e foi implacavelmente abatido pela Maneka. Cortou-me o coração quando tirei das ‘mandíbulas manekinas’ a criaturinha trêmula, tentando respirar.
Gosto de animais e particularmente de cães. Gosto de todos os cães, mas gosto particularmente da cadelinha Maneka. Por que esse chamego tão especial com essa pirralha? A explicação é muito simples, e talvez convincente.
Amar eu amo as pessoas, mas esse amor, que nem sempre é natural, é muitas vezes forçado. O amor não é movido por uma força gravitacional; ele depende da nossa vontade. Amar é um esforço que se faz cotidianamente, um sacrifício ou uma penitência mesmo. Mas é preciso amar!
O gostar é diferente, porque é gostoso e espontâneo. Gosto de bichos e gosto de algumas pessoas. Parece que houve aqui um sincericídio. Se sim, me desculpe, porque escapou.
Da Maneka eu gosto, e gosto muito, sabe por quê? Porque a Maneka é a única criatura que lambe meus pés. E isso não é pouco, porque eu mesmo nunca lambi o pé de ninguém. Nem da Maneka.
FILIPE
Numa bela passagem bíblica, o pregador adverte: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!”
Como não refletir sobre isso? Como entender que muitos de nós ainda nos mantemos agarrados aos prazeres mais comezinhos desta vida?... Parece que não compreendemos que a vida pode e deve ser bela, mas a sua brevidade é espantosa.
A foto acima é da minha mãe no seu último aniversário, quando ela completava ‘oitenta e quatro’ anos. Ali, mamãe já estava bastante debilitada, usando cânulas de oxigênio, mas continuava bem-humorada e fazendo suas orações cotidianamente.
Tenho pensado bastante sobre a efemeridade da vida. Não me parece ser tão distante o passado em que eu era criança e minha mãe uma jovem mulher de vinte e poucos anos. O tempo passou, eu cresci e mamãe envelheceu; o tempo passou mais um pouquinho, eu envelheci e mamãe partiu. E assim a roda foi girando, está girando e vai continuar girando.
Lembro dos tempos de minha mãe com seus adágios que entraram para o folclore da família. Um deles, mamãe usava quando estava descrente de que uma promessa não lhe seria cumprida. Ela dizia: “Ah, sim... Só se for no dia 30 de fevereiro!” Interessante que eu ficava pensando: por que mamãe diz sempre essa data? Há algo de especial nela? Somente depois de crescidinho descobri que ’30 de fevereiro’ não está no calendário. Descobri também que o mês de fevereiro é o mais pobrinho dos “doze irmãos”, e que o coitado tem apenas ‘vinte e oito dias’; com sorte, costuma ter ‘vinte e nove’, mas só de vez em quando. Enquanto isso, alguns de seus irmãos sortudos têm a fortuna de 31 dias.
E foi justamente no ‘bissexto 29 de fevereiro’ que mamãe nos deixou. Até imagino o papai a recebendo lá no céu. Aqui, um parêntese. Gente, existe céu e não é pra todo mundo, tá?! É melhor a gente tomar alguns cuidados nesta vida, senão... Mas os meus pais estão no céu e disso eu tenho a mais absoluta certeza. Porque ‘quem faz o bem, recebe o bem’. E há de haver outra vida pra essa conta fechar.
Voltando ao céu, onde papai chegara há pouco tempo e estando ali meio sem ter o que fazer, ele dá uma voltinha e avista, lá longe, uma senhora baixinha de passos apressados. Reconhece a mamãe e se agita esfregando as mãos, já caminhando na direção dela. “Vem, minha Nega, estamos te esperando. Então você resolveu vir pra cá logo no dia 29 de fevereiro?! Vai ficar difícil pros meninos celebrar esse aniversário, não?..." Mamãe, ainda meio esbaforida e com o rosto corado de sol, passa a mão na testa para afastar o suor que lhe embaça a vista, olha profundamente para o papai e diz sorrindo: “Sei lá como é que é...” Eles riem à farta e entram para a festa há muito preparada pra minha mãe.
Um ano sem mamãe – com saudade, mas sem tristeza. Conforta-me saber que fizemos por ela o que os filhos devem fazer pelos pais. Alegra-me a feliz certeza de que a mamãe está bem.
FILIPE
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