Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]





Comentários recentes

  • Anónimo

    Núbia

  • Anónimo

    Meus sinceros sentimentos a todos vocês. Sim, Ela ...

  • feldades

    Mamãe, como papai, foi transfigurada pelo sofrimen...

  • feldades

    Sim, Drummond estava certíssimo: "Mãe não deveria ...

  • feldades

    Sim, a realidade é dura.Mas havemos de aceitá-la.



subscrever feeds




AUSÊNCIA

por feldades, em 20.11.22

WhatsApp Image 2022-11-19 at 9.11.28 PM.jpeg

Papai faria 92 anos neste 20 de novembro. Descobri cedo que ele gostava muito de seu aniversário. Mas descobri tarde que ele gostava de festejar o aniversário com bolo. Nos últimos anos, quando o irmão mais velho não lhe levava um bolo, papai mesmo dava um jeito. Mais de uma vez aconteceu de haver dois bolos no aniversário do papai: o dele e o do Mano Véio. Uma fartura!

 

Também tarde descobri que papai gostava muito de doces e de queijo. Antigamente a vida não permitia “luxos”, e na geladeira de meu pai não havia dessas iguarias. Mais antigamente ainda, na casa de meu pai nem geladeira havia. Nos últimos tempos, porém, papai tinha queijos e doces à farta numa espaçosa geladeira. Quando lhe batia vontade de comer um naco de queijo com goiabada, não importava se o almoço estava quase pronto ou se era noite alta. Papai ia à cozinha, abria a geladeira, pegava o que queria, sentava-se e se fartava como um rei.

 

Certa vez, papai me pediu para fazer um arroz doce. “Tô com muita vontade de comer arroz doce. Você faz pra nós?...” Claro, pai!”, respondi. Pus arroz numa panela pra cozinhar e o leite pra ferver. Papai ficava por perto, observando tudo. E, sempre que achava necessário, dava uma sugestão: “Porque você não faz assim... Deixe cozinhar mais um pouco... Ponha mais leite...” Caramelei um pouco de açúcar para dar cor ao doce e, quando fui acrescentar açúcar cristal, papai se aproximou e disse com severidade: “Não ponha mais açúcar, senão ninguém consegue comer o doce.” Obedeci. Deixei o arroz doce em fogo brando e esperei. Quando meu pai saiu, corri ao açucareiro, peguei rapidamente umas duas canecas de açúcar, despejei na panela e mexi freneticamente. Passados uns cinco minutos, o Velho estava de volta e já com um prato na mão, muito ansioso pra provar do meu arroz doce. Desliguei o fogo, destampei a panela e pus umas duas conchas cheias no prato dele. “Quer mais?”, perguntei. “Basta!”, ele respondeu. Com o prato fumegante, ele se sentou à mesa, entrelaçou as pernas como somente ele conseguia fazer, e foi mineiramente comendo pelas beiradas o doce quente. Com medo de levar pito pelo ‘doce tão doce’, fiquei de olho nele. Mas não houve bronca. Terminada a “tarefa”, ele se levantou e disse aos que estavam por ali: “O doce ficou no ponto. Se eu não estivesse aqui, ninguém ia conseguir comer, porque o Filipe queria pôr mais açúcar!”. Satisfeito, apenas sorri.

 

Da última vez que visitei o papai, havia uma panela de arroz doce no fogão, que ele mesmo fez. Eu quis provar, mas ele me advertiu: “Esse doce fica melhor com queijo. Provei e senti a alta concentração de açúcar. Gostei e repeti. O que sobrou, pus num pote e guardei na geladeira. Pensei: ele não vai querer mais, porque esse doce está muito doce. Vai sobrar para mim. Que nada! Mais tarde, quando voltei pra procurar o doce, um desconfiado ‘velhinho’ me disse: “Se tá procurando doce, não vai achar. Tinha um resto no pote aí, mas eu já lambi tudo”.

 

É... Este é o nosso primeiro ‘20 de novembro’ sem abraço nem bolo nem arroz doce nem queijo. E sem telefonemas!

 

FILIPE

Autoria e outros dados (tags, etc)


1 comentário

Sem imagem de perfil

De Andréa Piffer a 21.11.2022 às 14:21

Que lindo! Triste sim a ausência, sei bem, mas você tem o dom de deixar alegre esse texto com as advertências de seu pai que me encantam sempre. Parabéns, professor, a você pelo texto e ao seu pai por esses 91 aniversários bem vividos.

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.





Comentários recentes

  • Anónimo

    Núbia

  • Anónimo

    Meus sinceros sentimentos a todos vocês. Sim, Ela ...

  • feldades

    Mamãe, como papai, foi transfigurada pelo sofrimen...

  • feldades

    Sim, Drummond estava certíssimo: "Mãe não deveria ...

  • feldades

    Sim, a realidade é dura.Mas havemos de aceitá-la.



subscrever feeds