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A BIGORNA

por feldades, em 07.10.23

bigorna.jpeg

Eu poderia dizer que sou um homem de sorte, só por que tenho uma bigorna. Mas se você não tem uma bigorna, então você não sabe o que é ser uma pessoa completa, realizada mesmo, como eu.

 

Há tempos, venho montando uma pequena oficina de carapina. Não, não sou carpinteiro e muito menos marceneiro. Eu me dou por carapina, esse protótipo de carpinteiro, que é o pioneiro, o desbravador dessa arte de cortar e pregar tábuas – um pouco como fazia o ‘Carpinteiro de Nazaré’, de nome José, que talvez você conheça. E é isso que faço ultimamente.

 

E por que abri o texto, falando de bigorna? Vou explicar.

 

Tenho feito bastante coisa utilizando sucatas de madeira. Fiz mesas, banco, prateleiras e até um baú. Não digo que meus móveis sejam rústicos, mas toscos. Além do martelo, sempre usei serrote e facão, que não deu muito certo. Meu baú, embora elegante, ficou meio desengonçado, e os pregos, velhos e tortos, avacalharam bastante. Ah, a bigorna não deixaria isso assim. Ela é ‘gente boa’ pra caramba. É fato que sua relação com o martelo nunca foi das melhores. Sua paciência chega a irritar o ‘companheiro’, que cisma de ‘espancá-la’ sempre que está ‘nervoso’ e, no entanto, ela nem se mexe. Ontem mesmo, xinguei o martelo porque ele me acertou o dedo. Já de uma bigorna, nunca se ouviu dizer que alguém fosse ferido por ela. Pode ver que ela está sempre quietinha no canto dela, só observando.

 

De uns tempos pra cá, adquiri furadeira, esmeril, plaina de mão... mas faltava essa amiga.  A cada aquisição eu lembrava de meu saudoso pai, que sempre dizia: “Como eu queria ter uma ‘caixa de ferramentas’ para poder trabalhar como carpinteiro!...”  Ah, meu pai... Se eu pudesse voltar ao passado, compraria todas as ferramentas para o senhor... Papai tinha ferramentas bem interessantes como: arco de pua, enxó, serrote, formão, martelo, torquês... Mas havia outras das quais ele precisava muito e não podia comprar, dentre elas, quem sabe uma bigorna...

 

Felizmente, embora já idoso, meu velho conseguiu realizar parte do sonho. Ele chegou a possuir ferramentas bem modernas e delas fez uso. Quando partiu, deixou esmeril, furadeira, maquita e outras, todas funcionais e de boa procedência. Mas não a bigorna!

 

Por que insisto na bigorna? Explico mais uma vez.

 

Você nunca viu alguém saindo de casa para comprar uma bigorna. Eu também não. Mas num exercício de imaginação, vejo o Firmino dizendo para a esposa: “Serafina, estou indo a Guiricema pra comprar uma bigorna”. Chegando, ele entra numa loja, pergunta ao balconista se tem bigorna e ouve como resposta: “Ih, seu Firmino, tem não. Eu mesmo nem sei quiqueísso...” O Firmino não desanima e vai mais longe, vai a Visconde do Rio Branco. “Lá tem muitas lojas e vou achar”, ele diz de si para si, mas dá com os ‘burros n’água’. Ninguém tem bigorna e apenas os mais velhos conhecem tal ferramenta. “Alguém ainda usa esse trem?...”, pergunta, sem disfarçar o riso de canto de boca, um homem careca e de bigode (talvez o dono da “birosca”).

 

Não sei se o Firmino achou a bigorna ou dela desistiu. Mas eu comprei uma pela internet, que chegou soberbamente embalada, deixando um rastro de curiosidade. Houve até alguém que veio à minha casa só para conhecer a novidade, que apresentei com indisfarçável orgulho.

 

Dois irmãos meus têm oficina e fazem prodígios; um tio faz móveis incríveis com madeira descartada; um concunhado poderia ser mestre em qualquer liceu de ofícios. Contudo, há uma diferença entre nós e que me deixa bastante abobado: apenas eu tenho uma bigorna!

 

FILIPE

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6 comentários

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Andréa Piffer a 07.10.2023

Muito bom 👏👏👏👏 Inteligente, agradável e engraçado....como você! Parabéns, professor! E obrigada por nos presentear com este belo texto.
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feldades a 11.10.2023

Eu é que fico agradecido por sua nobre visita a este humilde blog. Um abraço, Andréa.
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Miguel Lucas a 10.10.2023

É sempre um prazer ler os seus textos Filipe.
Também quero ter uma oficina bem apetrechada quando me reformar.
Um abraço
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feldades a 10.10.2023

Maior prazer tenho eu em receber o Miguel Lucas na "minha casa". Esse, sim, um exímio escritor. Um abraço!
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Frei Gabriel a 14.10.2023

Hino

Anuncia a aurora o dia,
chama todos ao trabalho;
como outrora em Nazaré,
já se escutam serra e malho.

Salve, ó chefe de família!
Que mistério tão profundo
ver que ensinas teu ofício
a quem fez e salva o mundo!

Habitando agora o alto
com a Esposa e o Salvador,
vem e assiste aqui na terra
todo pobre e sofredor!

Ganhe o pobre um bom salário,
e feliz seja em seu lar;
gozem todos de saúde
com modéstia e bem-estar.

São José, roga por nós
à Trindade que é um só Deus;
encaminha os nossos passos,
guia a todos para os céus.

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