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A DESPEDIDA DE PAPAI

por feldades, em 22.04.22

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“Meu pai estava muito doente, deitado numa cama, e me chamou para pedir água. Eu trouxe o copo e ele se ajeitou, sentando-se apoiado à cabeceira, e bebeu todo aquele copo d’água.”

 

A imaginária cena acima, que me era recorrente desde há muitos anos, foi quase uma antevisão da derradeira vez em que estive com meu pai. Nesse nosso último encontro, aquela cena veio real, e com tintas surrealmente fortes. Papai estava no leito de uma UTI com cateter de oxigênio, monitores cardíacos e outros apetrechos. Naquele momento doloroso eu estava amparado pela companhia de um irmão, o Freizinho. Estávamos para viajar naquela noite e passamos no hospital para despedir de nosso bom velho – uma cortesia da equipe gestora da UTI, que nos permitiu entrar fora do horário de visitas.

 

Entramos e percebemos que o quadro de nosso pai se agravara consideravelmente. Fizemos uma oração acompanhada por ele em silêncio e de mãos postas. Falamos sobre a mamãe, dizendo que ela, já de alta daquele mesmo hospital, encontrava-se muito bem. Papai, emocionado e num gesto de agradecimento a Deus, fechou os olhos e ergueu as mãos em prece.

 

No pouco tempo que permanecemos ali, uma imensidão de sentimentos me aconteceu. Foram dez minutos apenas, mas de tão ternos que me são eternos. Falávamos sobre assuntos prosaicos numa vã tentativa de amenizar o drama quando, num certo momento, sem conseguir dizer o que desejava, papai apontou para uma mesinha móvel um pouco afastada. Trouxemos a mesinha para perto e ele apontou para o copo sobre ela. Peguei o copo, que tinha um fundo de água e um canudinho, e tentei dar a ele. Permanecendo deitado, papai afastou brevemente a máscara de oxigênio e tentou beber. O canudinho não colaborava, mas, ainda assim, consegui fazer com que ele tomasse uns dois ou três goles. Depois, com um aceno e tentando sussurrar umas palavras de agradecimento, meu pai dispensou a água e reposicionou a máscara. Naquele momento, cumpria-se aquela minha antiga “profecia”. Gelei.

 

Despedimo-nos e pedimos a bênção, que nos foi dada com um longo aperto de mão. Dissemos que estávamos indo para a rodoviária e que viajaríamos logo em seguida. Com muito esforço, papai conseguiu dizer uma frase – a última que dele pude ouvir: “Ninguém está longe, porque estamos todos nas mãos de Deus!”

 

O resto é história conhecida. As crises respiratórias atribuídas à suposta ansiedade; a incessante busca por socorro médico; os chás; as muitas preces; o diagnóstico de enfisema. Depois a internação: papai passando por uma capela do hospital e fazendo ali sua última prece diante do Santíssimo; a caminhada por longos corredores; a subida por intermináveis rampas; o último encontro com a esposa (ela também internada ali); as últimas palavras à amada [“Juracy, agora vou ficar aqui também, pertinho de você, viu?...”]; as paradas para descansar e acertar a respiração cada vez mais difícil; a chegada ao seu quarto no terceiro pavimento; o repouso no leito da enfermaria; uma dispneia respiratória; a descida para a UTI; o fim na UTI.

 

No dia 13 de abril, três dias depois daquele nosso último encontro, papai estava sendo velado. Aquele homem, que eu supunha imortal e com quem sempre pude contar nas horas mais atribuladas, estava agora inerte, com as mãos sobre o peito, entrelaçadas e frias, e os olhos para sempre cerrados. No entanto, a indefinível expressão de serenidade de meu pai atestava seu dever heroicamente cumprido ao término de uma longa jornada.

 

FILIPE

 

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16 comentários

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De Lucia Bastos a 23.04.2022 às 00:58

Relato emocionante! É sempre um mistério esses momentos de fim da vida aqui na terra . Abraço !
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De José De Anchieta Moura Lima a 23.04.2022 às 08:36

Obrigado Felipe por seus textos memoráveis, como sempre. Vamos ser sementeiras eternas do Eterno que papai deixou de seu legado para nós e todos quantos desfrutaram de sua vida, de seu carinho e de seus textos matutinos no Facebook. Dizia um teológo brasileiro: "Na Páscoa, somos chamados a ser sementeiras da Ressurreição no chão angustioso de tantas pessoas"
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De Anónimo a 23.04.2022 às 23:30

Sem palavras,me emocionei com este lindo texto. Saudades,Deus abençõe todos.
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De Rosilene Moura a 23.04.2022 às 23:31

Rosilene Moura
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De Thais a 25.04.2022 às 20:29

Que texto lindo!! Me emocionei com suas palavras.
Que Deus conforte o coração de vocês!!
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De Anónimo a 23.04.2022 às 12:47

Seu José vai deixar muita saudade e muitos ensinamentos. As redes sociais tem suas vantagens, nos aproximar e assim me tornei uma amiga. Para quem pode conviver mais de perto tenho certeza que ele foi um exemplo de fé 🙏
Essa família vai continuar unida e cuidando de d Juraci. Tem pessoas que não morrem nunca!
Assim foi Sr José e também minha mãe.
Vamos seguir até quando Deus quiser.
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De Andréa Piffer a 23.04.2022 às 13:20

É lindo! Tão triste e tão lindo! Linda é a ternura das suas palavras para seu pai, eterna como você mesmo disse. Eu conheço seu pai através de você, não só dos relatos e dos livros, mas a sua maneira de ser tem muito do que vejo nas contos-histórias sobre seu pai. É uma família abençoada por Deus. Desejo que a dor da saudade não demore em seus corações.
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De Rosiléia a 23.04.2022 às 16:32

Difícil imaginar chegar naquele cantinho, na roça, e não ser recebida por Sr. José, muito alegre por nossa chegada.😔
Sempre, ao despedirmos, ele agradecia todo esforço por termos viajado tanto tempo a fim de visitarmos aquele casal de velhos. Que bom que pude dizer à ele que não era esforço nenhum e sim um prazer desfrutar desses momentos ao lado dele, para que meus filhos, tbm ficassem com a lembrança desse tão amado avô. A saudade dói, a lembrança é marcante, o dia a dia está estranho. 😭😭
Peço à Deus para dar forças e sabedoria à todos nós!
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De Anónimo a 23.04.2022 às 19:45

Belíssimo texto!!!!Eu não conheci Sr José Lopes,sou sua amiga de Facebook,porém esse convívio diária de postagens me fez ficar muito perto dele,tenho um imenso carinho por ele,me fazia lembrar meu pai,simples , corajoso, amigável...por muitas vezes nas suas resposta no face me chamava de filha e eu me sentia assim.
Todos os dias entro no Facebook e procuro por alguma postagem dele,aí a ficha cá, lembro que agora ele está no céu contando suas histórias...
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De Ruda Azambuja a 24.04.2022 às 00:51

Felipe querido, sua emoção e simplicidade nos transporta com emoção a esse momento representativo da vida.
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De Anónimo a 24.04.2022 às 02:54

Felipe, a sua história ou melhor sua forma de narrar os últimos momentos de nosso pai, renovam em nosso coração a dor, dor de saudade, mas com lágrimas de gratidão. Porque papai foi um dom de Deus, não só para sua esposa, seus filhos, netos, bisnetos e agregados. Papai foi e tem sido um dom de Deus para muitas pessoas que nele encontraram uma paternidade uma bondade que refletem o imenso amor de Deus por nós. Papai partiu, nós também partiremos! Que Deus nos dê a graça de estarmos sempre preparados, munidos de boas obras de amor, para chegarmos o nosso destino final: O abraço do Pai!
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De Anónimo a 24.04.2022 às 02:54

Freizinho
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De Anónimo a 24.04.2022 às 15:21

Lindo texto e yb muito emocionante. Parabéns pela serenidade aqui relatada.

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