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BALAIOS

por feldades, em 03.04.15

Os primeiros utensílios artesanais que conheci foram o pilão e o balaio. O primeiro é um tronco bruto de madeira, que tem uma cavidade onde se põem grãos para serem triturados por uma espécie de clava denominada mão-de-pilão. Meu pai sabia fazer os dois, mas nunca o vi fabricar pilões. Nem mesmo o nosso, de peroba, que por anos nos serviu, e que durante seu “repouso” era virado, transformando-se num confortável banquinho. Mas balaios, um tipo de cesta sem alça, vi meu pai fazer muitos. Eu mesmo o ajudava, cortando bambus, que não poderiam ser muito maduros, por resistirem à moldagem e nem muito verdes, por não terem durabilidade. Papai abria os bambus em longas tiras, descarnava-as e as entrelaçava. Em ângulo reto sobre o fundo assoalhado, dobrava os “mourões” pelos quais tecia a trama de suas paredes.

 

O Tatão Tibúrcio também fazia os dele, grandes e arredondados, parecendo não ter a mesma perícia de papai. Mas o Tatão utilizava taboca, uma espécie de bambu cheio de espinhos recurvos e lacerantes. Seu trabalho era mais penoso, pois teria que retirar todos os espinhos para poder construir suas cestas e balaios.

 

Havia uns homens da montanha, de uma região denominada Careço, e deles se diziam ser gente muito braba, mas sua fama maior era mesmo de artesãos. Seus balaios eram mais bem trabalhados, com desenhos nas laterais, um primor. Não usavam o nosso bambu nem taboca, mas taquara, que é outra espécie de bambu – mais delicado e “obediente”. Papai, de vez em quando, comprava um balaio de taquara daqueles montanheses.

 

Eu também me arrisquei no ofício. Por mais de uma vez cortei bambu e tentei fazer balaio, conforme via meu pai fazendo. Mas na hora de dobrar os “mourões”... Enquanto eu segurava uma ponta, a outra soltava; recuperando aquela, esta é que soltava. De repente, uma farpa adentrava minha carne, salpicando tudo de vermelho. O fim. Num ímpeto, eu chutava aquela geringonça e praguejava prometendo nunca, mas nunca mais fazer balaios. Passados alguns dias... “Acho que vou conseguir desta vez, pois todo mundo faz”. Então um bambu é cortado, rasgado em tiras, descarnado. Uma ripa é dobrada, redobrada, desdobrada e...  “Praga de bambu, praga de balaio, cortei o dedo, nunca mais mexo com essa birosca!”

 

Mas eu não queria falar de artesanato, nem do artesão que nunca fui, embora tentasse. Numa conversa recente com um irmão, lembrei-me das roças de nossa infância e dos balaios de milho que enchíamos durante a colheita. Eram pesados, mas eu me esforçava, enchendo-o até à boca. Num galeio, punha o balaio no ombro, mas algumas espigas mais salientes costumavam escapar e caíam. Eu abaixava até a espiga fujona para devolvê-la ao balaio já no ombro e, desequilibrando-me, caía com o balaio e esparramava a carga. Eu, pequeno e fraco – talvez ainda continue assim – trabalhava para além de minhas forças.

 

Hoje, meu balaio não é de bambu, mas costuma ferir-me os ombros. Todo domingo vou até a igreja para pegar com meu Senhor um “balaio” vazio para, durante a semana, enchê-lo com as espigas que encontrar. No final da semana, levo de volta o balaio à igreja e apresento ao meu Senhor os frutos de minha jornada. Às vezes tenho vergonha, pois o balaio está um pouco vazio, com espigas ruins ou com impurezas. Então, peço perdão ao meu Senhor e prometo uma colheita melhor na próxima semana. Quem sabe, um dia acerto?...

 

O irmãozinho, a quem dedico esta crônica tendo o balaio como metáfora, também entrega o seu, que é sempre transbordante e com as melhores espigas. Preciso aprender com ele.

 

FILIPE

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2 comentários

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De Aureliano a 25.04.2015 às 20:21

Filipe,
fiz um comentário sobre este texto, mas parece que 'sumiu'.
Este texto me fez lembrar algumas coisas e refletir sobre outras. Primeiro, aqueles homens do Careço: homens barbudos, de bota ou botina de couro, de paletó, chapéu 'chuchado' na cabeça, montados, geralmente, em burros. O Julim Mendonça era uma figura típica deles, embora fosse nosso vizinho. Eu morria de medo de me encontrar com aqueles homens. Parecia um povo estranho. É que a gente tinha um horizonte muito estreito, sem rádio e sem televisão, sem sair para lugar nenhum, nem pra cidade. Então essas coisas nos assustavam. Não sei dizer se 'abrir os horizontes' resolveu muito... É a vida...
Depois, a conclusão que você tira é muito interessante. A persistência na luta, embora seja preciso de se abaixar muitas vezes para apanhar as 'espigas de milho' caídas pelo gingado do esforço para colocar o 'balaio' nas costas. Sabe lá se estas 'espigas' pingadas não poderão 'alimentar' alguém que vem atrás?...
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De feldades a 26.04.2015 às 02:38

Foi muito poético, mano.
O J. Vianei me disse que os "balaieiros" não eram do Careço, mas da Ventania.
Já o papai afirmou, no "feice", que não foi ele quem fez o nosso pilão, mas um bisavô da mamãe. Acho que é isso, preciso conferir.

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