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DE VOLTA À SALA DE AULA

por feldades, em 09.10.22

Eu não queria retornar. Aborrecia-me a ideia de desempregar colegas que estavam me substituindo. E não foi fácil adentrar aquele prédio para lecionar depois de longa ausência. Chegando lá, assinei o livro-ponto e fui para a sala de aula, porque sempre gosto de chegar antes e fazer uma breve meditação. Recebo os alunos, que chegam normalmente em grupinhos de três ou quatro, com celular e fone de ouvido. Quase todos me cumprimentam e cada um vai para sua carteira. Alguns expressam cansaço, uns parecem eufóricos e outros são enigmáticos.

 

Começo a aula com um pequeno exercício, uma equação ou algo assim. Há alunos que olham para a lousa com curiosidade, e outros com indisfarçável enfado. Observo que em muitas carteiras os cadernos continuam fechados e alguns dedos deslizam freneticamente sobre a película do celular – apesar da mensagem na lousa em letras tremidas: “guarda teu celular!”

 

A aula flui, mas não rende. Lá atrás, dois ou três rapazes conversam animadamente enquanto uma mocinha mais à frente está debruçada sobre a mochila. Os demais alunos vão fazendo a atividade mesmo que sem muito entusiasmo.

 

Ando pela sala e ofereço ajuda. “Não precisa, professor. Aqui suave!”, responde um. “Ih, não entendo nada disso!”, reage outro. E assim a aula vai se arrastando, enquanto eu penso na minha ‘hortinha de almeirão’ e no livro que comecei a ler. Adeus horta, adeus leitura, agora é sala de aula! É tentar ensinar e tentar aprender; é abastecer uma plataforma digital; é fazer chamada e lançar faltas e depois tirar as faltas para não reprovar.

 

Continuo percorrendo a sala para ver se a coisa melhora. Paro em frente à garota que está “desfalecida” sobre a mochila: “Oi, você não está bem?”, pergunto. Ela levanta a cabeça e me olha com fúria. “Estou bem, mas não a fim de fazer lição”. “Mas você não acha que isso é importante?” “Ah, professor, eu não entendo nada!...” “Eu posso ajudar. Vamos tentar?...” “Não quero!” “Mas você não acha que pode ficar reprovada se não fizer lições?...” “Eu venho pra escola todos os dias. Por que vou ser reprovada?! (...)” Engoli a seco um impropério e insisti: “Vamos lá. Quero te ajudar.” “Ah, professor, me deixa, vai...”

 

Poupei o leitor de uma frase dita e repetida pela mocinha acima, mas espero que ele possa ao menos imaginar o arco voltaico que percorreu minha espinha e fogueou toda a minha pele. Mas não desisti. Insisti perguntando se havia algo que a aborrecesse etc. Ela pareceu ainda mais indignada e respondeu quase gritando, que tudo estava bem, mas que ela não quer é ouvir perguntas. Então desisti.

 

Terminada a aula, vou para outra sala e lá encontro conversas ‘animadas’ sobre eleições. Um aluno me pergunta sobre o que achei do resultado do primeiro turno. Eu disse que não me posicionaria e pedi, em vão, que interrompessem aquela conversa. A situação ali era de ‘bocas abertas e cadernos fechados’. Diante disso, pedi que ao menos fingissem fazer as lições, mas nada! Nesse momento, entra a diretora e antes que ela desse algum recado, pedi que retirasse o rapaz que liderava o blablablá. Ao ser interpelado e repreendido, o rapaz disse que o professor se ofendera porque “eu falei mal do candidato dele” (!).

 

Cansado, vou para última etapa daquela noite. Terminando essa aula, uma aluna me pede para esperar porque tinha algo muito importante a me dizer. Esperei. Ela veio até mim e simplesmente me abraçou.

 

FILIPE

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11 comentários

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De Rodrigo Bordini a 09.10.2022 às 02:46

Querido professor Filipe, voltou a ativa?
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De feldades a 09.10.2022 às 11:20

Olá, Rodrigo, quanto tempo...
Voltei, mas sairei em dezembro.
Espero que dessa vez dê certo!
Um abraço.
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De Everton a 10.10.2022 às 02:45

O melhor professor que conheci! Um verdadeiro amigo.
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De feldades a 11.10.2022 às 11:12

Olha, depois desse comentário, e sendo do professor Everton, eu fico com inveja de mim!!! rsrs
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De Anónimo a 10.10.2022 às 03:00

Felipe você sem dúvidas foi um excelente professor que trarei em mente para o resto da vida, só sinto que devia ter tentado mais vezes nos meus últimos anos rsrsr , mas agora sei oque deixei passar.
bom independente sempre gostei da sua maneira de ensinar e de ser!
Boa sorte para ti até dezembro que até lá tudo ocorra bem , tudo de bom sempre!
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De feldades a 11.10.2022 às 11:07

Agradeço as palavras, mas sinto que eu poderia ter feito mais, ter mais paciência... Enfim, ter sido melhor.
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De Aureliano a 12.10.2022 às 16:44

Mano, que luta, que esforço, que empenho contra sua própria natureza que conheço um pouco!
Sua profissão é uma missão. Trabalho árduo, dinheirinho suado, pouco reconhecido pelas autoridades públicas.
O Senhor lhe dê serenidade e sabedoria para levar até ao fim sua missão.
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De feldades a 14.10.2022 às 00:44

Nosso trabalho é árduo como tantos outros, mas há uma especificidade que é formar cidadãos.
E sou muito grato a Deus, que sempre me deu força para essa empreitada.
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De Andréa Piffer a 12.10.2022 às 18:22

É muito triste essa nossa condição! Chega ser humilhante muitas vezes! Apesar de sabermos que o problema é de quem é mal educado, mal humorado, mal intencionado, mal direcionado, mal tudo; doe a maneira como somos tratados, consigo ver a expressão facial da tal deitada na mochila. Sorte sua ter ganhado um abraço ao final do dia e poder sentir a vibração do amor para se limpar das más vibrações e ter uma noite de descanso merecida!
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De Andréa Piffer a 12.10.2022 às 18:30

*dói
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De feldades a 14.10.2022 às 00:51

É, professora Andréa, você é testemunha do que passamos numa sala de aula e seu comentário contempla muito bem isso.
Agora, o abraço que recebi quero partilhar com você.

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