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“... e não serei maledicente. Só por hoje!”
Há tempos, colei essa frase na porta do armário na escola onde trabalho. A intenção era guardar-me desse malfeito que assola a humanidade desde seus primórdios. Mas parece que aquele papel descorou não pelo tempo, mas pela vergonha de mim. Continuo dando conta da vida alheia, e deixando a minha vida tão necessitada de cuidados.
Não me consta que Moisés tenha recebido, na “Tábua das Leis”, um mandamento que proibisse sua tribo de maldizer o próximo. Mas Cristo disse nos evangelhos: “Raça de víboras, como podes dizer boas coisas sendo mau? No dia do Juízo, pelas tuas palavras serás justificado ou condenado!” Ah, o Mestre sabia o que estava falando, porque aquele povo do templo devia ter uma língua devastadora!
O vício da maledicência é de difícil tratamento. Não passa um só dia, faça chuva, sol, calor ou frio, sem que este impenitente “escriba” cometa a impudicícia de caluniar alguém. E olha que eu me esforço... Desde a minha infância, já ouvia gente grande dizer que é feio falar da vida alheia. Um parente, quando nos visitava, engatava uma conversa com meu pai em que se falava de tudo e por horas. Dele, era comum ouvir: “Compadre, você sabe que eu não sou de falar mal dos outros. Mas tem gente de ‘língua grande’, que não deixa a vida da gente em paz... E aquele fulano, compadre, é um desses. Ele é porcaria, não vale uma b... de gato!”
Também era comum haver gente um pouquinho mais refinada que o compadre de meu pai. Antes da ‘fuzilaria’, ia logo se defendendo: “Eu sou muito positivo e falo somente a verdade. E eu falei mesmo e foi na cara!” Bom, deve ser mesmo muito positivo falar na cara, que é para ofender e afundar de vez o desafeto. Outros, ainda mais sofisticados, costumam usar a palavra ‘sinceridade’. “Estou te falando isso, porque eu sou sincero e não sou de falar por trás.” Mas a tal ‘sinceridade’ costuma ser uma autêntica grosseria, principalmente contra alguém frágil.
E olha só..., cá estou eu a falar das pessoas, ainda que sub-repticiamente, sem citar nomes. Não, não dá para continuar assim. Todos os bípedes falantes deveríamos resolver esse problema. É preciso debelar essa moléstia, que assola a humanidade desde os tempos em que descemos da árvore e emitimos os primeiros guinchos. Relações sociais e familiares são destruídas por palavras maldosas. A futrica tem natureza de uma progressão geométrica: avança exponencialmente no grupo e seu estrago é devastador.
Tenho pensado muito nisso. Não só famílias, mas nações são irrecuperavelmente divididas, antagonizadas, devido a esse flagelo. O meu caso – o que interessa no momento – não é assim tão simples. Hoje mesmo, e estou bastante arrependido, já falei mal de alguém. Pior: falo apenas para amigos íntimos, com quem tenho cumplicidade, e essa relação de confiança turbina o efeito deletério da maledicência. E aqui toco no ponto central dessa reflexão: quem tem mais credibilidade é também mais perigoso. Um nóia pode falar o que quiser e ninguém lhe dará ouvidos. Mas alguém ‘de respeito’..., o que diz é demolidor.
Nem tudo está perdido nessa luta contra meus vícios. Aquela frase poderá ter bom uso, fazendo-se dela um epitáfio. Sofrendo uma sutil modificação, em minha lápide cunhar-se á:
“...e não serei maledicente. Agora é para sempre!”
FILIPE
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