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O PEDREIRINHO

por feldades, em 06.11.21

Ele acaba de completar ‘cinquenta anos’! Ainda ontem esse mano era um rapazinho franzino, que furava buracos, amarrava ferragens, levantava muros e paredes, armava laje, cimentava, rebocava e azulejava. Com apenas dezoito anos ele ergueu a minha casa!

 

Olha, que tempos foram aqueles!... Era finalzinho dos anos oitenta e começo dos noventa. A inflação roía nossas economias, tornando difícil um planejamento. Mas, com o mano ao meu lado, fui em frente. Trabalhando quase sempre sozinho, ele fazia a argamassa, punha na lata e subia no andaime onde despejava a massa no caixote. Depois descia, ajeitava a masseira e retornava ao andaime com a colher de pedreiro, prumo e nível. E assim, as paredes de alvenaria foram erguidas, colunas concretadas, laje batida, telhado posto.

 

Por tempos, levantando muito cedo, ele atravessava parte da cidade, percorria alguns quilômetros, até chegar à obra. A comida era bem precária: arroz, feijão, carne cozida e talvez uma salada, ou nem isso. O cardápio, que eu mesmo preparava, não variava nunca. Mas ele talvez não saiba que a minha comida era ainda mais pobre. A carne eu reservava a ele, enquanto eu me virava com um ovo cozido.

 

O interessante é que ele nunca pediu aumento no ordenado. Combinamos um valor no começo da obra e depois as coisas foram se ajustando. Certa vez eu lhe propus pagar o valor de ‘dois sacos de cimento’ como diária. Ele se animou, dizendo que “o Chimba sempre falou que o pedreiro deve ganhar ‘dois sacos de cimento’, e que o servente pode ganhar ‘um saco’”. Fiquei contente, porque não foi preciso mais fazer muitas contas. Bastava contar os dias de trabalho e ver o preço do saco de cimento que eu pegava lá no Zé da Roleta. Então, quando eu ia acertar, ele ia nos seus guardados e pegava um pedaço de papel onde estava sua contabilidade. Nesse papel, que não por acaso era de saco de cimento, ele apontava os dias trabalhados e eu pagava.

 

É importante explicar uma coisa. Naquele tempo, a Votorantim monopolizava a produção de cimento e punha o preço que lhe conviesse, chegando a sonegar o produto para encarecê-lo. Mas isso mudou depois que o presidente Itamar Franco importou cimento da Grécia, fazendo o preço cair. Hoje, ainda que o cimento seja caro, o preço não se compara ao que já fora.

 

Mas o mano não perdia tempo mesmo. Trabalhava o dia todo e à noite ainda ia para a escola estudar aquilo que era conhecido como ‘primeiro grau’; concluído esse, fez o segundo grau. Lembro dele naquela escola, onde eu também lecionei. Nesse tempo, sua vida tinha melhorado, porque já estava trabalhando na indústria. Ele chegava timidamente e se dirigia a um professor para pegar a ficha de estudos. Não sei se por coincidência ou sorte dele, mas eu nunca o atendi.

 

Econômico, quase não gastava o que ganhava. Na minha memória ficou uma domingueira calça jeans que ele sempre usava. Nela tinha um desenho de um vampiro e a palavra “Vamp” alusivo a uma novela. Acho que ele tinha outras calças, mas só me lembro dele com essa.

 

Hoje o "pedreirinho" já não tem dessas preocupações. Estabilizado, oferece sem medir esforços todo conforto à sua família composta de esposa e três filhos – o mais velho, um futuro economista.

 

O que mais me impressiona nesse mano, de poucas palavras e humor cáustico, é sua sabedoria. Dentre os onze irmãos, talvez ele seja a voz mais sensata, ponderada e esperada quando surge algum impasse entre nós.

 

FILIPE

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8 comentários

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De Anónimo a 06.11.2021 às 07:25

Linda e merecida homenagem ao meu amado esposo. Sempre centrado e de muita sabedoria. Acordei junto à ele, agora às 4h, horário que ele levanta para ir ao trabalho, e acessando o blog, disse à ele, o Felipe escreveu sobre vc. Ele diz, ai, ai, ai. Mas, valeu a lembrança do "pedreirinho", que ainda é muito bom profissional nos serviços que faz em casa. Destacando tbm, o pai presente e o marido companheiro que ele é.
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De Anónimo a 06.11.2021 às 07:45

Muito bem Mano, justa e reconhecida homenagem.
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De Anónimo a 06.11.2021 às 12:29

Olá Mano Filipe
Paz e bem!
Como você é criativo!
A começar pelo título.
PEDREIRINHO!
Uma forma carinhosa de reconhecimento da habilidade, seriedade, dedicação desse nosso amado irmãozinho!
Como se sabia viver naqueles tempos difíceis, com inflação alta e salário baixo!
Tudo com muito suor, mas também com esperança e fé bem praticada!
Bela homenagem!
Grato, por todos os Moura Lima
Freizinho
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De feldades a 13.11.2021 às 02:20

Há tempos que planejava algo sobre ele. Obrigado pela leitura.
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De Anónimo a 06.11.2021 às 23:32

Parabéns Felipe pela bela homenagem ao primo Jorge... Meio século de vida... Que Deus continue abençoando sua vida...

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