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SEBASTIÃO RUFINO

por feldades, em 06.02.15

Esse era seu nome, mas era por Tatão Tibúrcio que todos o conhecíamos. Tatão morava na roça, a um quilômetro de nós, numa casinha simples, como a nossa. Ao lado da irmã, Angelina, cuidava da mãezinha, dona Sarminda, sobre quem se dizia ter mais de oitenta anos. Ficou-me a imagem daquela velhinha, negra, magrinha, sempre sentada num caixote. Passados uns tempos, ela adoeceria e se recolheria à sua cama, para eu nunca mais vê-la no seu caixote.

 

O tempo foi passando e passou dona Sarminda, ficando Tatão e Angelina. Muitas e muitas vezes iríamos ainda àquela casa. De vez em quando dávamos com “os burros n’água”, pois a Angelina não gostava de chateação e costumava não nos atender. Ainda ao longe era possível observá-la à janela, mas ao chegar, já estava bem trancadinha, escondidinha, fingindo ausência. Podíamos esgoelar, que ela não se mexia. Tarde, porém, a compreendo e eu não faria diferente.

 

O Tatão nunca fechava a porta. Todas as tardes, após chegar do roçado, ele passava as horas sentadinho ali, ao lado de Veneno, seu cão, fazendo suas orações. Vendo-nos, abria-se num sorriso e nos convidava a entrar. Chegando, cumpríamos rigorosamente um roteiro por ele traçado: ir direto ao seu quarto, onde havia um oratório, e lá fazer uma prece. Em silêncio, ele nos aguardava com indisfarçável alegria.

 

Devo confessar que, embora eu rezasse no oratório do Tatão, tinha mais fé nele do que nos seus santos. Para uma criança – ou adulto, principalmente – nada mais abstrato do que a fé. Esta parece estar associada a afeto. E como aquele homem era por nós muito querido, o objeto de sua devoção foi por todos incorporado.

 

Tatão Tibúrcio tornou-se compadre de meu pai, tendo como afilhado um de meus irmãos, a quem considerava um filho. Certa vez, fomos à sua casa bem de tardinha, e a noite veio trazendo consigo um enorme temporal, com granizo. Todos ficamos atordoados, temendo que telhado e paredes cedessem à fúria do vento. Mas o Tatão não se abalava e, mantendo no colo o afilhado, rezava. A certa hora, pegou uma pedrinha de gelo que escapara das telhas e a deu ao pequeno dizendo: “Se a criança chupar o gelo da chuva, a tempestade para”. E parou mesmo. Mas naquela noite não voltamos para casa. Dormimos amontoados numa esteira que Angelina estendera na sala de chão batido. A irmã mais velha dormiu no quarto da Angelina, e o pequeno com o padrinho, que não teve lá muita sorte não. Lá pelas tantas, o intestino do menino desandou, enlameando cama, padrinho e o sossego de todos. Mas o paciente senhor apenas disse: “Foi barriga mole, coitado”.

 

Supersticioso, Tatão usava amuleto no peito e cabeça de boi no chiqueiro. Sempre quis saber o que havia dentro daquele patuá, que trazia pendido feito medalha. “Aqui tem uma reza para minha proteção”, ele disse uma vez e me dei por satisfeito. Mas, com a caveira bovina, fui além. Tentava dissuadi-lo daquela crença ancestral, dizendo ser pecado etc., mas quem pecou fui eu. Certa feita, após uma rápida conversa, pensei tê-lo convencido a renunciar a essa “heresia”. Subi na cerca e arranquei do bambu, onde estava espetada a tal caveira, e a lancei no mato. No dia seguinte, meu pai me interpelou: “O compadre Tatão me disse, contrariado, que você tirou a cabeça de boi do chiqueiro dele. Pois trate-se de pô-la onde estava, viu?” Aquele “viu” me deu um calafrio, algo estranho, semelhante à “barriga mole” do menino aí em cima. Pus de volta lá o simpático talismã que, se não salvou os porquinhos do mau-olhado, salvou meu couro.

 

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1 comentário

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De Carlos lopes a 06.02.2015 às 20:15

Ficou tão bonito; viajei numa realidade fantasia, mais estória, dessas quando contadas a gente arregala o olho e até baba.

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