Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]





Comentários recentes

  • Frei Gabriel

    Saudades do nosso Velhinho. Consolo pela permanênc...

  • Anónimo

    Parabéns pra vc Felipe,como sempre belíssimos text...

  • Lucia Bastos

    Uma linda história de vida , plena de amor.

  • Aureliano

    Que maravilha de crônica! Realmente, depois de cer...

  • Andréa

    Que lindo! Uma história de amor real!






SERIAM NOVENTA E TRÊS ANOS

por feldades, em 20.11.23

foto do papai.jpeg

“Maria, Maria... Vem cá!”

 

Enquanto eu preparava o chimarrão e pensava em como começar este texto, mamãe me interrompeu. Cedo ainda, quatro e meia da manhã, voltei ao quarto. Ela insistiu: “Maria... Cadê?...” Eu disse que a Maria vinha mais tarde e que só eu estava ali. Então ela pediu ‘água e comprimido’. “Dois comprimidos!”, ordenou.

 

Ontem à noitinha passei um bom tempo ao lado dela, ouvindo suas histórias. Poucos de seus filhos conseguem decifrar aquelas frases. Eu tenho me esforçado bastante e acho que quase consigo. Naquele bate-papo, mamãe me falava “dele”. Dizia que ele estava sumido. Que “agorinha mesmo estava aqui, mas saiu e não sei pra onde foi”. Perguntei quem é. “Marido!”, respondeu de imediato. Eu completei, dizendo que ele deve ter ido a Corgo Preto, porque tem muito serviço pra fazer lá. Ela assentiu desconfiada.

 

Desde que papai partiu, mamãe veio para o centro do “palco”. Até parece ter sido essa a intenção dele. Aqui, na nossa família, penso que as atenções se voltavam mais para o pai do que para a mãe – pelo menos de minha parte foi assim e preciso me redimir desse “pecado”. Porém, saindo de cena o Velho, mamãe ganhou um protagonismo que nunca tivera. Digo isso porque, em todas as rodas de conversa, mamãe estava sempre um pouco ao lado. Eu até consigo revê-la, apoiada no batente da porta, tentando participar da prosa até que, um tempo depois e bastante desanimada, recolhia-se ao seu quarto para retomar as intermináveis ‘costuras de mão’. No entanto, muitas vezes, eu me lembro disso também, meu pai, percebendo a situação, dava um salto do sofá onde estava recostado e corria para o quarto a fim de fazer companhia à sua ‘Neguinha’.

 

Ninguém mais do que o papai compreendia o universo da mamãe. E por ser tão zeloso de sua Velhinha, seus últimos tempos ao lado dela foram bastante aflitivos. Mamãe estava cada vez mais debilitada e papai tinha pouca esperança da recuperação dela. Foi minha mãe baixar hospital que meu pai quedou-se também, e daquela vez foi tudo de imensa gravidade. Eu, estando aqui para uma visita de rotina, assinei a ficha de internamento dos dois. A impressão era de que papai ficasse poucos dias internado, mas a mamãe não voltaria pra casa. No entanto, mamãe voltou e papai “decidiu ficar”.

 

Numa conversa com irmãos, concluímos que talvez papai tivesse esperado um pouco mais para fazer a ‘passagem’ caso alcançasse o estágio de plena lucidez de que mamãe desfruta neste momento. Ela está interagindo conosco como outrora, em seus melhores dias.

 

Na longa conversa de ontem, mamãe falava do seu “Cabeça Branca”, que hoje faria aniversário. Ah, era assim que ela se referia a ele em momentos de descontração num passado já meio distante. Essa forma, um pouco jocosa e muito carinhosa, era motivo de riso na família e costumava arrancar algumas gargalhadas do Velho.

 

Nosso Velhinho não era festeiro, mas com a melhora das finanças, as tardes de seu aniversário passaram a ser festivas. Ele sempre oferecia bolo de abacaxi e refrigerante para quem aparecesse.

  

Desta vez, decidi passar o ‘vinte de novembro’ na casa do papai, ao lado da mamãe. Se na tarde de hoje não vai ter bolo nem refrigerante, também não haverá tristeza, porque o aniversariante não permitiria.

 

FILIPE

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)


5 comentários

Sem imagem de perfil

De Andréa a 20.11.2023 às 15:01

Que lindo! Uma história de amor real!
Sem imagem de perfil

De Aureliano a 20.11.2023 às 20:48

Que maravilha de crônica!
Realmente, depois de certa altura da vida, nas rodas de conversa na varanda do papai, ficava por vezes pensando na situação da mamãe: ela vinha, dizia uma frase que parecia até sem sentido pra nós, mas era a forma de ela interagir. E voltava para o quarto, seu habitat natural. Às vezes dizia palavra forte: "Essa mulher boba! Não sabe nem conversar" referindo-se a si mesma. Fui entendendo que ela queria participar, ser ouvida, notada.
Coitada! Acho que nunca fora compreendida e acolhida plenamente nas conversas, em raras excessões com o Zé Lopes ou com um filho mais sensível como o João Vianei.
Mamãe usufrui de um cuidado sem par, graças à equipe coordenada com zelo e maestria pela Maria Marta.
Deus seja louvado pela vida plenificada do papai e pela vida oferente da mamãe.
Sem imagem de perfil

De Lucia Bastos a 21.11.2023 às 16:45

Uma linda história de vida , plena de amor.
Sem imagem de perfil

De Anónimo a 22.11.2023 às 01:36

Parabéns pra vc Felipe,como sempre belíssimos textos,sinto que a tia está vivendo os melhores momentos de sua vida. Deus abençoa todos vcs, 😘
Sem imagem de perfil

De Frei Gabriel a 23.11.2023 às 01:22

Saudades do nosso Velhinho.
Consolo pela permanência da nossa Velhinha.
Obrigado, Mano!

Comentar post





Comentários recentes

  • Frei Gabriel

    Saudades do nosso Velhinho. Consolo pela permanênc...

  • Anónimo

    Parabéns pra vc Felipe,como sempre belíssimos text...

  • Lucia Bastos

    Uma linda história de vida , plena de amor.

  • Aureliano

    Que maravilha de crônica! Realmente, depois de cer...

  • Andréa

    Que lindo! Uma história de amor real!