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Na minha infância, dos poucos livros que havia em casa, um era de contos. Lembro-me de uma história, não tão fabulosa como os clássicos infantis, mas dotada de magia. O título me fugiu, deixando apenas a imagem de um “nadador’ e de um “lenhador”. Ei-la.
Certa feita, um lenhador cortava lenhas à beira de um rio quando num golpe meio desajeitado, o machado escapuliu e caiu na água. O rio era profundo e o pobre homem não sabendo nadar, sentou-se à margem e começou a murmurar: “Como vou fazer para ganhar o pão das crianças?... Meus filhos são pequenos, minha mulher anda sempre adoentada e esse machado era minha única ferramenta de trabalho. Para comprar outro, terei que andar léguas até o arraial e convencer o dono do armazém a me vender fiado. E ainda terei que trabalhar por muito tempo só para pagar o machado. Ai, meu Deus, o que farei da minha vida?...” Nisto, apareceu um jovem dentro do rio, nadando pra lá e pra cá, sem perceber a presença do lenhador, que estava atrás de uma moita de capim. Ouvindo aquele murmúrio, o nadador deu umas braçadas mais vigorosas e se aproximou. “Por que choras, caro lenhador?” “O meu machado (...)” [não vou repetir a história, porque o leitor já sabe]. O nadador perguntou: “Onde caiu teu machado?” “Ali, um pouco abaixo, mais um pouco..., aí!”, disse ao nadador. Este deu um mergulho e custou a voltar, preocupando ainda mais o lenhador. Perdi o machado e agora perco também o amigo, pensou. Mas o nadador sabia mergulhar direitinho e emergiu com um machado: “É este?” O lenhador pegou o machado, examinou e vendo que era de ouro, respondeu: “Não, senhor, não é tão bom como este”. O nadador deu outro mergulho e voltou com um machado de prata: “É este?” ‘Pegando o machado, disse: “Não, amigo, também não é bom como este”. Por fim, o nadador mergulhou novamente e trouxe um machado de aço: “É este?” “Sim, senhor, este é o meu machado”. Quando voltou os olhos para o nadador, a fim de lhe agradecer, não havia mais ninguém. Então o lenhador voltou para casa feliz com o presente. A partir de então, estaria rico, muito rico, sem necessidade de cortar lenhas para sobreviver. Chamou seu compadre, contou-lhe a novidade e festejaram com um lauto banquete.
Mas o compadre do lenhador também queria ficar rico. No outro dia bem cedo, procurou um vizinho a fim de lhe comprar o machado. O vizinho não queria vender a ferramenta, precisava dela e a usava todos os dias. Mas após tanta insistência, acabou vendendo o machado para o homem, que pagou com dinheiro grande e nem quis esperar troco. Naquela mesma manhã, correu para as bandas do rio, atirou o machado no lugar mais fundo, sentou-se e começou a chorar. Mas o seu choro não parecia verdadeiro, por isso não veio ninguém a socorrê-lo. Caprichou um pouco mais no choro, e nada. Já de tardezinha, triste e desanimado, ele chorava de verdade. Nisto, chegou o nadador: “Por que chora, homem?” “Perdi o meu machado!” “Vamos procurá-lo”, disse saindo do rio e chacoalhando o corpo para se livrar das gotas d’água. “Não, caro mergulhador, meu machado caiu dentro do rio!”. “Ahn, não sou mergulhador, sou nadador!” “Mas, o meu compadre...” [quase completou a frase fatal] O nadador parecia estar com pressa, quis dar ponto final à conversa e disse: “Onde caiu o machado? Diga, que vou buscar”. “Ali, bem ali”. O nadador pulou na água e, num átimo, subiu com um reluzente machado de ouro maciço. Quando ainda mal se equilibrava sobre uma pedra, em meio à correnteza, o homem berrou: “É esse mesmo! É esse aí!...” Um estupefato nadador atirou o machado na água, desaparecendo num mergulho.
Acabou o espaço. Eu ia usar esta fábula para ilustrar uma burla, mas não deu. Desculpas!
FILIPE
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